“Fome zero” e o STF

Entre uma ajuda ?fome zero? e o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal vão 346 vezes. Este é o resultado da divisão de R$ 17,3 mil por R$ 50 – o valor da ajuda inicialmente fixada para que milhões de famintos brasileiros pudessem fazer três refeições por dia, trinta dias por mês. Mas os ministros do Supremo não estão contentes com o que ganham e, através do presidente da corte, ministro Maurício Corrêa, avisam que o contracheque poderá chegar a R$ 23,3 mil. Ou seja, 466 vezes o valor de um caridoso ?fome zero?.

Essa discussão sobre o valor do teto salarial máximo permitido na República é antiga. Vem do primeiro período do governo anterior, quando se tentou aparar um pouco as brutais diferenças entre os que tiram dos cofres públicos a sua sobrevivência – uns demais, outros quase nada. Nunca houve acordo. Agora, com a reforma da Previdência, e depois de uma longa discussão que envolveu escaramuças de todos os calibres entre condestáveis de todos os poderes, chegou-se à conclusão (e a reforma foi aprovada) que os tetos e subtetos deveriam levar em conta a remuneração atribuída ao cargo de presidente do STF que, sem penduricalhos, é de R$ 17,3 mil.

Pois não é e não será, disse Maurício Corrêa antes de o ano terminar. ?Não sei qual será o valor. Só sei que não deve ser de R$ 17,3 mil? – declarou ele, ao informar que abria mão de sua atribuição de definir, remetendo o tema ao plenário da casa, por ser de ?alta relevância?. Segundo Corrêa, além dele, outros ministros do STF querem um teto mais alto. Três deles são ministros que trabalham na Justiça Eleitoral e ganham um plus por isso. ?Ninguém vai querer trabalhar de graça?, asseverou o presidente do STF, no exercício do papel de líder sindical da magistratura.

A reforma da Previdência, embora confusa e em alguns aspectos inconclusa, entrou em vigor na quinta-feira, dia 1.º. O maior salário pago pelos cofres da União está limitado à remuneração de ministro do Supremo. Mas Corrêa já antecipa que, enquanto não for fixado o teto, não cortará salário de nenhum servidor do Supremo que receba mais de R$ 17,3 mil – o valor divulgado pelos parlamentares para a aprovação da reforma. Ele acha que a mesma coisa vai acontecer com condestáveis de outros poderes, todos à espera do comportamento do Supremo.

Assim, em causa própria, os ministros do Supremo estão estudando três hipóteses. A primeira delas é fixar o teto em R$ 19,1 mil. Esse valor é o salário de Corrêa, de R$ 17,3 mil, mais 20% de bônus pelo exercício do cargo. A segunda hipótese é um teto de R$ 20,3 mil – o salário referido mais o jeton de R$ 3.080 recebido pelos ministros que fazem bico na Justiça Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral – TSE). A melhor alternativa, entretanto, é que o valor seja fixado em R$ 23,3 mil – a soma do salário seco mais R$ 6 mil mensais pagos às vésperas das eleições aos ministros que dividem o expediente entre o STF e o TSE.

Observe-se que somente esse jeton eleitoral extra corresponde a 120 ?fomes zero?.

O teto salarial a ser fixado terá desdobramentos em toda a estrutura do funcionalismo federal, com reflexos também sobre os custos estaduais e até os municipais. Pelo efeito cascata, se subir o salário lá de cima, subirão os demais, em número e valor não sabido. É evidente que, assim, os custos da máquina pública subirão instantaneamente e é desnecessário dizer que quem banca isso são os contribuintes, convocados a pagar a conta sem direito a tossir nem reclamar.

Medida de grande economia para toda a nação seria nomear ministros específicos para a Justiça Eleitoral, acabando com esse jeton que advém de um trabalho realizado em dúplice lugar, mas em mesmo horário. Ao que se sabe, os doutos ministros são todos destituídos do dom da ubiqüidade, não fazendo jus, por isso, ao duplo salário. Ou alguém ?fome zero? já está recebendo a ajuda em dobro também?

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