Fim de ano: sofrem pais, alunos e alguns professores

Marcos Augusto Pires Meurer (ICPG)

Ao chegar o fim do ano letivo, todos os atores envolvidos em um processo educacional começam a ficar mais preocupados com a aprovação ou reprovação escolar. Os pais por que querem que os filhos "passem de ano" muitas vezes sabendo que o filho não sabe quase nada; os filhos porque temem a reação dos pais: "Tomara que eu passe mesmo não sabendo nada"; e dos colegas de turma: "vou ficar para trás"; os professores que utilizaram a nota como instrumento de controle da turma, ou de alguns alunos com medo de serem avaliados pela direção da escola ou do sistema no qual estão inseridos. A avaliação, enfim, vira tormento para todos, pois acaba tornando-se o centro do processo educacional. Este tormento não é um fato novo.

Na cultura em que vivemos o que vale é o boletim, as notas, se a criança passou ou não passou de ano, se obtivemos a média para passar, mesmo que isso signifique que estes não saibam nada ou pouco, para utilizar durante sua vida. Mas por que isso ocorre? Por que a avaliação é um instrumento que nos amedronta, principalmente quando chega no final de ano? Porque o que importa para esta sociedade é o resultado das provas. Não a qualidade daquilo que aprendemos. O que importa para os pais e professores e para os alunos que não sabem o valor político do processo avaliativo é o registro meramente técnico dos acertos e dos erros de um amontoado de conteúdos que se acumulam durante o ano letivo.

Observa-se que, ao longo do tempo, houve alterações quanto à concepção de avaliação subjacente à legislação: inicialmente, consistia em julgar o desempenho do aluno, de forma imparcial e objetiva, a partir do cômputo de acertos e erros apresentados nas questões de provas e exames; posteriormente, a avaliação da aprendizagem como procedimento de julgar o desempenho do aluno passou a se basear em critérios expressos nos objetivos previstos e a ser realizada de forma ampla e contínua como diz o artigo 24 item IV da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394 de 20 de dezembro de 1996 (V – a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais).

Ora, se ela é processual, devemos entender como processo a maneira como ocorre a ação educacional, como o professor ensina, como a aluno aprende, para intervir neste processo contínuo e levar ambos a aprender, tanto o professor que ensina e vai continuar a aprender novas formas de ensinar, tanto o aluno que aprende aquilo que o professor possibilita.

A avaliação, segundo os fundamentos legais, deveria acabar com a aprovação ou reprovação. Da maneira como está redigida, transforma a avaliação em um ato educacional de toda a sociedade.

A tese aqui defendida é de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394 de 20 de dezembro de 1996 determina que a avaliação da aprendizagem, nas instituições educacionais, deve indicar o caminho da aprendizagem, isto é, deve servir de diagnóstico do processo educacional, e assim permitir a intervenção no mesmo. A avaliação precisa indicar o porque da não aprendizagem, quais foram as causas que levaram os indivíduos em processo de formação a não aprenderem. A comunidade educacional (pais, alunos, professores e sociedade), identificando as causas da não aprendizagem, deveriam intervir no processo com o intuito de que todos aprendam, pois segundo o fundamento legal da legislação atual determina implicitamente, não deve haver aprovação ou reprovação, e sim aprendizagem, o que interessa a sociedade, já que a formação educacional é a base de sustentação à vida das pessoas.

Ao considerar as dimensões do processo avaliativo, o tornamos um ato educacional que liberta o homem para o exercício da sua humanidade e abre a possibilidade da contradição, ou seja, do dialogo entre o professor e o aluno, entre o aluno e o conhecimento, entre o aluno o professor e o próprio processo de ensino e aprendizagem. A ética torna-se então o fundamento principal da ação avaliativa. O ato de avaliar, sob tal ótica, é um ato negociado entre os seus atores, sem separá-los, e que respeita suas subjetividades, seus valores, sua cultura, sua identidade singular e plural.

Mas o que é um ato negociado, no processo avaliativo? É uma nova maneira de avaliar mais participativa. O professor deve discutir como se procederá a avaliação com seus alunos, construindo-a coletivamente, partindo do que será avaliado, como e quando será.

Ao construir coletivamente o processo avaliativo possibilitar-se-á a intervenção direta da coletividade na aprendizagem, pois será criado um vínculo de significação com cada sujeito em particular, uma vez que todos se tornam aprendentes. A avaliação torna-se então convergente, pois incorpora aspectos éticos e políticos em um processo dinâmico, não mais exterior, fragmentado e unilateral, porque são os próprios participantes quem melhor conhece os significados e interpretações das aprendizagens, e por isso estão bem posicionados para participar da avaliação. O conhecimento (…) assim gerado parte das interpretações individuais e coletivas e procura a construção de significados intersubjetivos.

A transformação do paradigma da avaliação não consiste em um conjunto de fatos separados, mas no conjunto de atos e conseqüências intimamente relacionados. Para conhecer a realidade e seus significados, é necessário submergir no curso vivo e real dos acontecimentos e conhecer as diversas interpretações dos indivíduos que vivem esses mesmos acontecimentos. As opiniões e interpretações dos participantes devem ser parte integrante da avaliação, sendo a mesmo, desta forma, um processo de negociação.

Mudar o paradigma da avaliação requer mais do que políticas públicas educacionais. É necessário acreditar na condição humana por parte de todos os seguimentos da sociedade, sejam políticos, econômicos, culturais. É necessário ver o homem não como um objeto, um produto, e sim como um sujeito apto a autogestão e a transformação crítica e reflexiva, capaz de superar determinismos numa ação-reflexão no mundo, com o mundo e para o mundo.

É preciso seguir a lei. Não se pode mais reprovar nem aprovar na escola. Deve-se por meio do ato avaliativo educar.

Marcos Augusto Pires Meurer é professor do Instituto Catarinense de Pós-Graduação (ICPG)

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