Excola mais uma vez

educa180207.jpg?Prepare seu coração/ pras coisas que vou contar/ eu venho lá do sertão/ e posso não lhe agradar/ aprendi a dizer não(..)?. Repentinamente, os versos de Disparada, de Vandré, tomam conta da memória. O propósito inicial desta crônica nada tinha a ver com música, passado ou história da cultura. As relações que o cérebro estabelece nem sempre são claras no primeiro momento. Leio e interpreto a mim mesma, na intenção de descobrir como cheguei aos versos citados. E descubro. Prepare-se, leitor, pra coisas que, escritas, serão mais uma vez bandeira e luta. 

Há mais de dois anos (desde setembro de 2004, para ser precisa) procuro usar este espaço em defesa da idéia de que a leitura pode ajudar a modificar a pessoa e a educação, e ser uma das ações para melhorar as condições de cidadania. Apesar dos argumentos e textos contrários, tentando me dissuadir desse conceito, que os de má fé denominam ?visão salvacionista da leitura?, quanto mais leio, ouço, vejo e reflito, mais me convenço que, sem leitura, tendemos a nos afundar na selvageria da vida atual.

Nesta semana em que, emblematicamente, começam as aulas, a imprensa noticiou a queda de TODOS os índices de qualidade na educação brasileira, do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, em língua portuguesa e em matemática. Ciência e arte, que não caminham separadas, não fazem parte da agenda educacional, social e política brasileira. Educação serve como instrumento de falsa democratização de acesso, mas de verdadeira exclusão por manter a ignorância e o déficit em conhecimentos mínimos. Não é de hoje a constatação de que a qualidade do ensino brasileiro é vergonhosa. Tudo o que diz respeito à escola se resume à quantidade de merenda, ao clima de violência e desrespeito, ao abandono da infra-estrutura material. Engano-me: a escola também é assunto de piadas, chacotas, desprezo. Diploma virou sinônimo de papel comprado ou de quadro na parede. Não tem correspondência com o conhecimento, com a ética, com bons serviços prestados, em qualquer área de atuação do formado, do profissional, do técnico.

Delegou-se à vida, à prática profissional, ao deus-dará, a responsabilidade pela aprendizagem dos estudantes. Ao se acreditar e ao se praticar essa delegação, ficou assinada a falência da escola, enquanto espaço de estudo e saber. Que tal voltarmos ao tempo de dentista prático, do médico prático, do professor qualquer um?

A Prova Brasil, cujo resultado agora divulgado, causou indignação nos profissionais que levam a educação a sério neste país, foi realizada em 2005, em 267 cidades brasileiras. As notas variavam numa escala de 0 a 500 pontos. As melhores escolas obtiveram 265 pontos! Um pouco mais do que a metade do que seria desejável. Podemos levar em consideração algumas falhas na elaboração dos testes, problemas de receptividade e aspectos psicossociais não avaliados. Não podemos, contudo, ignorar ou esconder que eles não seriam capazes de provocar uma diferença em pontos tão grande entre o obtido e o desejável. Mais grave ainda é a queda generalizada das médias nos últimos DEZ anos, o que fez explodirem as manchetes dos jornais: ?Estudantes da oitava série do Ensino Fundamental e do terceiro ano do Ensino Médio do país tiveram o pior resultado em língua portuguesa e em matemática desde 1995?. Degradação é o termo que melhor define o estado de coisas da educação. Que projeto de futuro cabe ao Brasil além de estar sempre tentando recuperar o que décadas perdidas foram destruindo? Como entender que no tempo em que o conhecimento tem a seu dispor as mais eficazes ferramentas de informação e busca, os escolares conheçam menos, estudem menos, leiam menos, pensem menos? Nem a renda elevada garante melhor resultado. Nem a escola privada. Nem regiões geográficas de grandes recursos. A derrota da escola é generalizada.

As causas são várias. O abandono do professor à própria sorte, castigado ainda por humilhador coro de vozes (?professor, coitado!?, ?quem não sabe, ensina?, ?é a mais burrinha das minhas filhas, por isso vai ser professora?). O crescimento indiscriminado de estabelecimentos de ensino sem o rigor da fiscalização do governo, responsável pelo serviço público, que é a educação. Verbas vultosas mal aplicadas. O divórcio litigioso estabelecido entre a família e os filhos durante o processo de aprendizagem. O desprestígio social da educação no processo social devorador do desemprego. A passividade e anestesia de nosso país ante seus graves problemas.

Por que os senhores deputados não se empenham da mesma maneira quando se trata de educação ou segurança como o fazem quando se trata de eleger o presidente de qualquer órgão político colegiado?

Educação deixou de ser da área do conhecimento e do saber, para se transformar, no Brasil, em caso de segurança nacional. Quando se trata de avaliações substantivas, estamos sempre no vermelho. O bastão brasileiro da qualidade de vida caiu das mãos do competidor, que ficou a olhar a passagem veloz de outros países rumo ao futuro. Somos um atleta derrotado pelas próprias pernas, depois de termos amargado séculos de ?gigante adormecido?. Triste escola de deseducação. Excola.

No desalento, socorro-me do poeta Leminski: ?pelos caminhos que ando/um dia vai ser/ só não sei quando?.

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