Exame da OAB e empregabilidade – II

Primeira conclusão: o ensino jurídico no terceiro milênio não pode continuar ancorado na filosofia científica (ideologicamente estatalista e legalista) dos séculos XVIII, XIX e XX. O aluno tem que conhecer a perspectiva constitucional, internacional e legal de todos os problemas concretos. O positivismo-legalista está morto! Precisa ser sepultado! Do Estado legalista de Direito passou-se para o Estado constitucional e democrático de Direito. Quem não percebeu essa diferença já não pode ser reconhecido como jurista do terceiro milênio.

Crise institucional

Do ponto de vista institucional a crise não é menos profunda. A Faculdade de Direito deveria ser o lugar apropriado (a instituição adequada) para o aluno aprender a pesquisar, raciocinar, compreender e, sobretudo, interpretar, argumentar e redigir (petições, recursos, arrazoados). Mas pouco se faz nesse sentido. Para além de aulas expositivas, fundadas na ideologia legalista, quase nada mais é oferecido ao aluno. Centros de pesquisas, produção científica, publicação de artigos e livros etc.: isso só tem preocupado umas poucas faculdades, que não estão conseguindo cumprir (de modo satisfatório) seu papel institucional de educar e preparar o acadêmico para o exercício profissional.

Nesse contexto, uma antiga proposta ventilada pelo Ministério da Educação no sentido de pretender reduzir o curso de Direito para três anos, com abrandamento das exigências curriculares, nos parece bastante criticável (cf. Carlos Miguel Aidar, Folha de S. Paulo de 04.07.02, p. A3).

A Faculdade de Direito, em regra, tanto quanto outras faculdades, já não é o lugar onde se conquista uma profissão ou onde se tem garantia de emprego. Nada mais disso é verdadeiro, salvo em algumas pouquíssimas ilhas de exuberância acadêmica. A freqüência a algumas instituições de ensino, na atualidade, transmite ao aluno a sensação de estar cursando uma escola de datilografia na era informacional e comunicacional. Na era digital já não se pode ensinar analogicamente! Na era informacional não se pode freqüentar uma escola de datilografia!

Ressalvadas as honrosas exceções, há faculdades que só estão cumprindo o papel de servir de degrau obrigatório para se conquistar o diploma. Mas ser diplomado não significa ser capacitado ou contar com habilidades que aumentem as chances de empregabilidade. Em vários Estados somente 10% dos bacharéis estão passando no exame da Ordem dos Advogados. Menos de 1% dos inscritos estão sendo aprovados nos concursos da Magistratura e do Ministério Público (cf. Folha de S. Paulo de 06.07.02, p. A2).

Segunda conclusão: durante o período acadêmico, que não é pequeno, não se pode desperdiçar tanto tempo; não se pode fazer de conta que ensina, enquanto outros fazem de conta que aprendem. Não se pode fazer de conta que se fiscaliza enquanto algumas instituições fazem de conta que são fiscalizadas, que contam com uma biblioteca atualizada etc. Quem assim procede vive uma ficção. As drásticas conseqüências de tudo isso pronto aparecem e o dia do desespero logo chega. O aluno, depois de diplomado, ao cair ?na real? (!), sente-se enganado (ou percebe que enganou a si mesmo).

Crise metodológica

A terceira crise do ensino jurídico no Brasil está relacionada com a (total e absoluta) falência do método clássico de ensino, que padece de muitas anomalias.

Esse ensino vem respaldado por currículos repletos de informações, de teorias e de princípios científicos (em tese úteis e até interessantes) que no dia-a-dia da faculdade não são ministrados. E quando ministrados não são devidamente aprendidos (quando muito, decorados). E o que é aprendido (decorado) não é usado (porque não se aprende fazendo – learning doing -; aprende-se para depois saber fazer).

A velha concepção educacional é a seguinte: primeiro adquirir conhecimentos, para depois aprender a usá-los. Primeiro a sistematização de tudo, depois a problematização. Primeiro a teoria, depois a prática. Esse método de ensino está completamente equivocado!

Aliás, a faculdade que continua nele ancorada está com os dias contados (em termos de reputação), porque está colocando na rua toneladas de bacharéis subinformados (nada ouviram sobre coisas importantes) ou super mal-informados (ouviram falar de muitas teorias, mas pouco uso sabem fazer delas).

É o bacharel ?hipo? (hipoinformado, hipocapacitado, hipo-habilitado etc.) ou ?Vasa?(cf. Cláudio de Moura Castro, em Veja de 29.05.02, p. 22, que nos recorda a seguinte passagem histórica: ?O rei Gustavo Adolfo da Suécia, para defender-se de seus inimigos, decidiu criar o mais poderoso navio de guerra. Importou os melhores construtores navais, e os cofres públicos foram sangrados para produzir um barco invencível. Mas o rei o queria ainda mais invencível e mandou instalar mais um deque superior, com mais peças de artilharia. O navio, com o nome de Vasa, enfunou as velas em 1628 e, sob um vento suave, singrou a baía de Estocolmo. Mas, subitamente, apenas deixando o porto, vira e afunda. Era instável, pelo excesso de canhões e pela falta de lastro?).

Professores e faculdades, na atualidade, se querem sobreviver, têm que saber desenvolver competência, que ?é a capacidade do sujeito de mobilizar recursos cognitivos visando a abordar uma situação complexa? (Vasco Pedro Moretto, Justilex ano 1, n.º 4, abril/2002, p. 69).

O novo método de ensino deve partir da situação complexa para em seguida escolher os meios (os conteúdos, as teorias, as leis, os princípios, as técnicas etc.) adequados para sua abordagem e solução. Como se vê, é preciso inverter a crença convencional de que devemos primeiro adquirir conhecimentos para depois usá-los.

A distância (abismal) entre a provecta metodologia do ensino jurídico e a realidade fica mais do que evidenciada quando vemos a artificialidade de muitos dos problemas jurídicos enfocados em salas de aula ou em concursos públicos. Aliás, já a forma bizarra e grotesca de apresentação deles (semprônio tinha inequívoca intenção de matar Caio, que morava na Tanzânia em companhia de um bebê de proveta chamado Tício, que nasceu no mesmo dia que Mélvio…) revela o quanto se afastam da vida comum dos mortais.

Terceira conclusão: learning-doing, isto é, aprender fazendo, aprender a partir de situações concretas. Nenhum ensino pode mais pretender só transmitir informações: deve também desenvolver em cada aluno competência, que é a habilidade para enfrentar situações complexas.

Crise pedagógica

Um último e delicado problema (uma última crise) do ensino jurídico reside na precaríssima formação do professor que, ademais, em regra, é extremamente mal remunerado. De outro lado, ser juiz, advogado, procurador, promotor, delegado etc., ainda que titulado (doutor, mestre ou especialista), não significa nenhuma garantia de que seja um bom professor.

Quarta conclusão: bom professor hoje (especialmente em cursos de graduação ou de extensão universitária) é o que parte da definição de um problema concreto, reúne tudo quanto existe sobre ele (doutrina, jurisprudência, estatísticas etc.) e transmite esses seus conhecimentos com excelente pedagogia, que exige habilidade (requer muito treinamento), linguagem clara, direta, objetiva e contextualizada, direcionando-a (adequadamente) a cada público ouvinte. Além de tudo isso, ainda é fundamental administrar o controle emocional (leia-se: o professor deve estar motivado para transmitir tudo que sabe, a um aluno que deve estar motivado para aprender). A pedagogia motivacional é o centro nevrálgico do desenvolvimento educacional.

Índice de empregabilidade

O Conselho Federal de Administração, a partir de 2007, vai verificar quantos formados em cada faculdade de administração conseguem trabalho. Esse índice de empregabilidade será a base para os futuros pareceres da entidade que orientarão a manutenção ou fechamento do curso (Folha de S. Paulo de 25.11.06, p. C10). Trata-se de uma boa iniciativa, embora não possa ser enfocada de forma absoluta. É uma idéia que deveria ser irradiada para outras áreas, incluindo-se a jurídica.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-Geral do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal, Consultor e Parecerista, fundador e presidente da Rede LFG Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais www.lfg.com.br.

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