Exame da OAB e a educação jurídica

Tem-se acirrado ultimamente o debate sobre os Exames de Ordem e o papel que eles cumprem no atual contexto da educação jurídica. O momento crítico que gera essa polêmica é marcado pelos altíssimos índices de reprovação que se mostraram em algumas seções da OAB no Brasil, mas o debate não deve se restringir apenas a isso. É tarefa fundamental aproveitar este momento para realizar o amplo debate de qual a função que a OAB tem cumprido hoje na sociedade brasileira, qual educação jurídica ela ajuda a construir e a que(m) interessa os exames de ordem.

A reserva de mercado e a ordem perdendo a razão

No último período, a OAB teve uma média nacional de reprovação de 71%! Com destaque para os exames de Goiás (76%), Santa Catarina (87%) e São Paulo (92%). São apenas destaques, números semelhantes podem ser encontrados em todas as regiões do País.

Na verdade, estes números revelam muito mais que apenas a queda na qualidade da educação jurídica, como alega a OAB. Isso até poderia fazer sentido se a queda na aprovação fosse provocada apenas pela enxurrada de novos cursos de direito criados recentemente, mas mesmo em instituições tradicionais a aprovação tem sido baixíssima. Dessa forma, é impossível afastar a outra tese sobre estes baixíssimos índices de aprovação: o exame realiza, na verdade, uma reserva de mercado.

O que tem acontecido nestes últimos anos é que a OAB está, definitivamente, perdendo a razão e fazendo do seu exame uma ferramenta explícita de reserva de mercado, o que foge completamente do seu papel. Não faz sentido aprovar apenas 8% dos candidatos em um exame. Pelo menos não da forma como a OAB faz, quando expressa publicamente um índice desse tamanho e continua como se nada estivesse acontecendo, usando um discurso pífio de queda na qualidade do ensino jurídico aliado à ausência de qualquer medida ou sugestão para reverter a situação. Se caiu a esse nível a qualidade, de quem é a culpa? Se estamos nesse nível, não parece ser a hora de parar tudo para arrumar a casa? Onde estão as políticas públicas de educação jurídica do MEC? É essa a pergunta que deve ser feita. O que acontece é que OAB e MEC são aliados nesse processo de reserva de mercado, e nesse sentido, quando a ordem fala na queda da educação jurídica – assim, de forma abstrata e ampla – sabemos que em última instância isso não visa atingir nem o poder público nem os cursos, mas única e exclusivamente a parte que menos tem culpa em toda essa história: os estudantes de direito.

Hoje os únicos punidos por esta suposta queda na qualidade do ensino jurídico são os estudantes, que ficam sem poder exercer a profissão, e ninguém mais. Parece que a culpa de não existir educação jurídica de qualidade no Brasil é do estudante. O exame da OAB tem interessado a muita gente, menos à comunidade acadêmica. Os principais beneficiados pela política do Exame de Ordem são os profissionais que já estão no mercado e que, com a garantia da OAB, ficam seguros de que a concorrência não aumentará no próximo ano. É o resultado líquido e certo da política inequívoca de reserva de mercado da OAB.

Diante dos últimos acontecimentos, é praticamente impossível afastar esta hipótese.

Políticas púbicas para uma educação jurídica de qualidade e socialmente referenciada

Enquanto isso, uma discussão séria sobre políticas públicas para melhorar a educação jurídica continua insuficiente. O que o MEC propõe para melhorar a educação jurídica contemporânea? Como preparar os novos profissionais para a sociedade atual? Estas perguntas não são respondidas na conjuntura atual, especialmente quando o foco de análise da qualidade do ensino jurídico está no exame da OAB. Não se trata apenas da reserva de mercado, mas também do tipo de ensino jurídico que estes exames avaliam. Nenhuma destas provas avalia a capacidade do novo profissional lidar com os problemas contemporâneos. A OAB, ao invés de se ocupar em pensar e aprofundar a organização e a ética profissional do advogado no século XXI, tem se resumido a um balcão para realização semestral de Exames de Ordem. Instituição cada vez mais corporativa e conservadora, a OAB esquece até de olhar a prática dos profissionais que já possuem registro na Ordem.

Não ser aprovado em um exame dessa ordem não pode ser um demérito. Ter seu registro profissional negado por uma entidade que tem uma postura nula diante das necessidades educação jurídica contemporânea não pode ser prejuízo para ninguém. Nesse campo temos uma grande luta a travar: a luta em defesa de uma educação jurídica comprometida com os problemas atuais, preocupada com a defesa dos movimentos sociais e determinada melhorar nossa sociedade.

Precisamos cobrar do MEC, na verdade, uma política séria de educação jurídica para o Brasil, e isso significa compromisso com a universidade pública e muita responsabilidade na abertura de novos cursos nas particulares. Muitos cursos de direito no Brasil foram chancelados de forma irresponsável, e é hora de cobrarmos a responsabilidade sobre eles. É preciso que o controle de qualidade seja público e, especialmente, desvinculado de interesses corporativos de reserva de mercado.

Bruno Meirinho é estudante de Direito e coordenador-geral do DCE-UFPR

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