Escorregão do senador

O senador Saturnino Braga teve destacada atuação na Comissão de Ética do Senado, durante os episódios marcantes da violação do painel eletrônico do Congresso, que culminaram com a renúncia dos principais protagonistas. Agora, ele poderá destacar-se do outro lado da mesa, pilhado que foi descumprindo um compromisso assumido por escrito: o de dividir seu mandato com o suplente, Carlos Lupi.

A questão ficaria restrita aos quintais da política carioca não contivesse ela elementos que precisam ser metabolizados pelo universo político nacional. Remonta aos meados de 1998, quando Saturnino, então no PDT, assinou uma carta de compromisso cujos termos o obrigavam a dividir o mandato de oito anos de senador, caso eleito fosse, com o candidato que escolheu para ser seu vice, o ainda dirigente do mesmo partido. Saturnino foi eleito, assumiu no início de 1999 e deveria passar o bastão agora no início da próxima legislatura. Não se manifestou, e Lupi – que não conseguiu se eleger nas últimas eleições – agora reivindica os seus quatro anos de mandato.

Segundo Saturnino, o acordo não tem mais validade alguma, já que um outro acordo – aquele entre o PDT e o PT – foi desfeito. Ele próprio mudou de partido e, portanto, não quer mais ouvir falar em dividir mandato, até porque agora entende ter outra missão mais importante, que é dar respaldo ao presidente Lula da Silva no Congresso Nacional. “O choro é livre”, diz ele.

De seu lado, Carlos Lupi anuncia que dia primeiro de fevereiro estará em Brasília para assumir o cargo. Se Saturnino não cumprir, baterá às portas da Justiça. Seu argumento é ponderável: “Se, para um senador da República, não vale nem a palavra escrita, não sei o que vale” – sofisma o suplente, acrescentando que não pediu para ser suplente, nem para assumir, pois foi Saturnino quem ofereceu e “eu, que não sou pobre metido a besta, aceitei de bom grado”.

O problema está criado e a solução não é fácil. O partido atual de Saturnino garante que não haverá de se meter na encrenca, mas é lógico que mantém certo interesse, já que está contando um a um os aliados na formação do bloco de sustentação parlamentar ao governo Lula. O senador não nega o acordo, apenas demonstra clara intenção de não cumpri-lo, ante a afirmação de que perdeu valor, embora em seus termos, até onde se sabe, nenhuma ressalva exista. O contrato, celebrado à revelia do eleitor, é fato e obriga os dois de forma inequívoca, a ponto de o próprio Saturnino admitir que foi um erro e que “escorregamos na ética”. Com isso, talvez pretenda levar o assunto à mesma comissão onde atuou, à busca de alguma reprimenda leve, evitando o confronto definitivo de uma decisão judicial.

Ora, o esdrúxulo que é esse acordo já aconteceu e foi tornado público. O resto não interessa muito. Tergiversar sobre sua validade chamando em socorro outros acordos realizados e desfeitos é cavar buraco em areia movediça. No mínimo, ele se iguala a tantos outros políticos que aos eleitores prometem céu e terra e depois não cumprem alegando coisas semelhantes, como se terceiros fizessem parte do pacto selado com os eleitores, nos palanques. Saturnino até pode continuar senador. Mas desmoralizado, deixando atrás o mau exemplo de um escorregão irreparável.

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