Escola Judicial: exemplo francês – 1

A Escola Nacional da Magistratura francesa (ENM) é um estabelecimento público administrativo. É a única escola judicial francesa e todo o candidato aprovado no concurso público para ingresso na carreira de magistrado necessariamente deve cursá-la. A ENM não prepara candidato para concurso, mas, apenas, os juízes aprovados em concurso. De acordo com a lei orgânica da magistratura francesa, incumbe à ENM formar os futuros magistrados e promover a formação contínua dos magistrados antigos, já que se entende que o bom juiz deve estar em permanente formação.

Com o objetivo de tornar a ENM independente em face de injunções de caráter político existentes no próprio Judiciário, sem prejuízo das pressões externas, a entidade dispõe de autonomia administrativa, financeira e orçamentária.

Para se ter uma idéia da importância da ENM, seu orçamento para o ano de 2004 foi próximo dos 42 milhões de euros, ou seja, algo em torno de 160 milhões de reais, além de possuir uma sede na cidade de Bordeaux com área 6.600 m, e outra de 1.000 m2 no centro de Paris. A ENM é administrada por um Conselho Administrativo, presidido pelo presidente da Corte de Cassação (mais alta Corte Judiciária francesa); e, por uma Diretoria, com mandato de três anos, com uma possível recondução, sendo que durante o mandato ficam os diretores licenciados de suas atribuições jurisdicionais, sem prejuízo dos vencimentos.

Além dos diretores, a ENM possui 33 magistrados licenciados, que constituem o corpo docente da escola, que durante 31 meses formam os juízes recém aprovados em um dificílimo concurso público.

O interessante, todavia, é que os estudantes não ficam enclausurados na Escola estudando o conteúdo de disciplinas jurídicas, pois o conhecimento destas entende-se adquirido, visto que já houve aprovação em provas escritas e orais. Enfatiza-se a necessidade do futuro magistrado conhecer tanto a teoria quanto à prática. Para isto, são organizados estágios em delegacias de polícia, empresas públicas e privadas, sedes de prefeituras, penitenciárias, escritórios de advocacia, hospitais e inúmeros outros locais que são potencialmente objeto de atuação jurisdicional, de forma a permitir a confrontação dos elementos teóricos com a realidade. Também há relevo na formação geral do juiz – sempre com uma abordagem ética – já que a maior parte do tempo é consagrada ao tratamento das funções judiciárias, dentre as quais constam técnicas de realização de audiência, de elaboração de sentença, meios alternativos à encarceramento, medicina legal, dentre outras. Existe, ainda, o enfoque de temas atuais, tais como o tratamento judiciário dos abusos sexuais, toxicologia, efeitos socioeconômicos da decisão judicial, justiça e mídia, questões de família, cooperação internacional, crianças delinqüentes, além de outros, para os quais são chamados especialistas tanto da área jurídica, como de outras áreas, como da medicina, sociologia e economia.

Apesar do relevante papel que a ENM desenvolve na sociedade francesa desde 1958, não passou ilesa, ao longo dos anos, a severas críticas de certos segmentos da sociedade, principalmente daqueles que não vêem no juiz um ator social indispensável à preservação do Estado Democrático de Direito.

Continua na próxima semana.

Eduardo Milléo Baracat é juiz titular da 9.ª Vara do Trabalho de Curitiba, doutor em Direito pela UFPR e professor universitário. Participou, como representante da AMB, do seminário "Formação de Formadores" na Escola Nacional da Magistratura francesa, nas cidades de Paris e Bordeaux, de 20 a 30 de setembro de 2004, onde juntamente com juízes de outras sete nacionalidades discutiu aspectos das respectivas escolas judiciais.

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