Ensino do Direito: o paradoxo da facilitação

Nunca vimos tanta discussão sobre como desenvolver métodos de facilitação da aprendizagem como na atualidade. Desde o ensino fundamental até a pós-graduação tem sido uma preocupação geral a criação de novos métodos e instrumentos que possam auxiliar o aluno a aprender. No entanto, parece ser um fenômeno mundial a redução do saber intelectual dos estudantes; situação agravada nos países não desenvolvidos. Será então que realmente faltam métodos e instrumentos de facilitação? É esta a origem do problema? Parece que não. As escolas, as faculdades, os cursos em geral têm disponíveis uma gama interessante e bastante moderna de ?mecanismos facilitadores?: a interface digital, as aulas em DVD, as apostilas cada vez mais ?didáticas?, a redução de horas-aula presenciais e o ensino à distância são exemplos profícuos desta incrementação pedagógica contínua que podemos observar neste início do século XXI.

Simultaneamente a este novo cenário, que busca romper com os grilhões do tradicional ensino ?professor-quadro-negro-aluno?, temos a impressão de que os jovens atuais são mais inteligentes que os de poucos anos atrás. As crianças, então, nem se fala. Antes de conhecer o próprio nome já sabem dizer o endereço do orkut. A quantidade de informações que os sujeitos pós-década de 80 recebem desde que nascem é impressionantemente maior que aquela que tiveram os sujeitos da década de 50, apenas uma geração atrás. Mais que isso, a variedade de tipos de informações disponíveis faz com que estes novos indivíduos estejam cada vez mais aptos a receber dados de diferentes espécies e níveis, decifrando-os com uma velocidade até então inimaginável. Finalmente, e esta é a parte mais incrível, todas estas informações tendem a ser captadas de uma forma cada vez mais agradável, pois aprender com prazer torna-se fundamental.

Seguindo a lição de Octavio Ianni, na típica sociedade pós-moderna o ser humano vivencia a troca da experiência pela aparência, do real pelo virtual, da história pelo instante, da razão pela imaginação; e o que é mais importante para o ensino do Direito: troca-se a palavra pela imagem. Assim é que tudo o que precisa ser lido ou cuidadosamente estudado (e, portanto, decifrado mediante um processo ?arcaico? de conhecimento do objeto) é algo difícil, fustigante, sofrido, ou até mesmo melancólico. Seguindo a regra geral de uma sociedade mais inteligente, porém menos intelectual (e, neste sentido, mais ignorante), boa parte dos atuais alunos dos cursos de Direito tendem a contentar-se com pouco, propondo-se apenas a um estudo fragmentado e pragmático cuja superficialidade tolhe a possibilidade de uma verdadeira superação de seu estágio inicial de amadurecimento acadêmico-profissional.

Mas o grande problema é que, sem dúvida, os tutores que acompanham este processo têm parcela significativa de culpa por esta falta de autonomia intelectual que é típica da academia contemporânea. Temos buscado aumentar cada vez mais as facilidades, enquanto a vida real desenvolve cada vez mais complexidades. Nos penitenciamos quando o aluno é exigido para que se esforce mais, sempre procurando meios para que ele aprenda de forma mais cômoda e simples. E se o aluno não aprende é porque a Instituição não propiciou meios para tanto. O professor, então, é considerando absolutamente indispensável a qualquer possibilidade de interlocução com o conteúdo tratado.

Por certo que não se questiona o fato de que existem muitas instituições descompromissadas, que efetivamente prestam um mau serviço. Todavia, o foco aqui tratado é outro. Às vezes, são as boas intenções que nos levam aos piores resultados. E aí está o paradoxo. Quanto mais ajudamos os alunos, facilitando de forma exagerada o seu processo cognoscitivo, mais é adiado o seu necessário processo de amadurecimento intelectual. Por este motivo, ainda que tenhamos mais alunos inteligentes, isso não implicará que teremos melhores operadores do Direito, ou o que é mais importante: melhores cidadãos.

Dessa forma, parece correto afirmar que é função das instituições de ensino, através de seus coordenadores e professores, situar-se no seu local privilegiado de comando e orientação. Exigindo respeito por esta situação e fazendo com que os alunos sempre sejam incentivados a superar-se. O lema é nunca estar contente, procurando sempre um desempenho melhor que o anterior. E este progresso contínuo não poderá ocorrer sem que, como pano de fundo, os alunos ampliem em progressão geométrica a sua quantidade de leitura semestral. Somente lendo é que se aprende a escrever. E não é possível ser um bom operador do Direito sem que, primeiro, o sujeito seja um bom escritor (tanto do ponto de vista formal, quanto material). Mais ainda, somente através de avaliações formais rígidas, notadamente (embora não exclusivamente) em caráter individualizado, é que se torna possível a realização desta proposta. Abrandar esta importante etapa da vida dos sujeitos é desprepará-los para o porvir; é enganá-los face aos problemas concretos que terão que enfrentar sem o véu protetor da academia.

Neste contexto, a rigidez na cobrança realizada pelo corpo docente e diretivo dos cursos de Direito é fundamental. Este caminho exige sacrifícios. Exige o retorno a uma certa autoridade perdida e a um típico respeito que durante séculos foram característicos da hon-rosa atividade docente. Exige um maior compromisso das instituições para com a atividade de educação, que ser tratada sempre como um serviço público. Exige, uma postura que não procure amenizar a dificuldade que envolve o processo de desenvolvimento intelectual. Finalmente, exige o retorno a uma tradição moderna que ainda se vincula ao prestígio da palavra e não imagem, do real e não do virtual; da razão mais do que da imaginação e do futuro mais do que do instante.

Emerson Gabardo é professor de Direito Administrativo, coordenador geral do Curso de Direito da UniBrasil e da pós-graduação do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.

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