Ensaio.Hamlet, da Cia. de Atores, fecha 38.ª edição do Filo

Com a participação de companhias teatrais da envergadura da alemã Volksbühne e da dinamarquesa Odin Teatret, a 38.ª edição do Festival Internacional de Londrina (Filo) termina no domingo (19) muito provavelmente com saldo positivo, a julgar pela primeira semana de programação. A imensa maioria dos espetáculos vem correspondendo às melhores expectativas, tanto as montagens do exterior como as nacionais. Sim, porque o Brasil, claro, é um dos 12 países a participar da mostra. Nesse caso, é interessante ressaltar que a curadoria não só trouxe ao evento espetáculos já projetados nacionalmente como fez apostas, cumprindo uma função importante dos festivais que é a prospecção.

Ensaio.Hamlet, por exemplo, da carioca Cia. dos Atores, dirigida por Enrique Diaz que vai fechar a programação com apresentações no sábado (18) e no domingo (19), já se sabe, em nada fica devendo em qualidade às grandes montagens internacionais do evento. Quem são mesmo os personagens de Hamlet, quais os seus sentimentos, desejos, conflitos? Como levar ao palco um texto já tão dissecado? Como lidar com tudo o que se disse sobre essa peça, desde a especulação erudita aos rasos clichês, já em domínio do senso comum? A companhia decidiu compartilhar suas dúvidas e incorporar à encenação parte do processo de ensaio, idéia que se estende aos elementos cênicos. Assim, diretor e atores fizeram de seu inteligente e instigante diálogo com a peça matéria-prima dessa montagem. Entre as ótimas soluções que tomam o palco nesse espetáculo, seja para a presença do fantasma ou para o suicídio de Ofélia, a solução criada para a cena final, com suas muitas mortes, certamente merece entrar para uma relação das melhores já vistas em palcos brasileiros.

Diversas na linguagem, chegam ao Filo com o mesmo selo de qualidade montagens como A Poltrona Escura, solo de Cacá Carvalho que abriu a mostra, Arena Conta Danton, da paulistana Cia. Livre dirigida por Cibele Forjaz ou o jovem grupo mineiro Espanca! com o delicado Por Elise. Ontem, com a apresentação de Mundo Perfumado, foi a vez da companhia de dança 1.º Ato mais uma vez mostrar que o conhecido talento criativo na dança contemporânea mineira não se restringe ao Grupo Corpo.

Sem ter alcançado ainda projeção nacional, revelou-se boa surpresa o espetáculo InSônia, de Salvador. Da dramaturgia à interpretação das quatro jovens atrizes é possível notar a mão firme de Hebe Alves, mestra, no sentido pleno do termo, da Universidade da Bahia, responsável por texto e direção. InSônia tem como base o monólogo Valsa n.° 6, de Nélson Rodrigues, flagrante da fragmentação da mente de uma menina de 15 anos. Nessa montagem, o abuso sexual sofrido por Sônia é a principal causa de sua confusão mental. Lançando mão de forma precisa e coerente de trechos de outras obras do autor, como Vestido de Noiva e Sete Gatinhos, Hebe explora temas caros ao autor como repressão sexual, desejo e culpa em cena densa.

Criada com poucos elementos, balanço, sapatos e pétalas de rosa, visualmente bonita e expressiva nas simbologias e associações que propicia, a cenografia traz a assinatura de Eliézer Rolim. Com evidente domínio técnico, e talento próprio, as quatro atrizes dão conta do paroxismo da personagem e seguram a tensão dramática sem deixar de abrir espaço para o humor, presente, por exemplo, no coro de vizinhas. A Cia. A4 ensaia sua segunda montagem e tenta livrar-se da ‘maldição’ do sucesso do primeiro espetáculo, que pode ser paralisante. Nesse primeiro trabalho, as atrizes claramente conseguiram se apropriar da marcação segura da diretora, que deixou pouca margem para risco e erro, o que não deixa de ser uma fragilidade. Correr mais riscos, talvez seja o próximo passo.

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