Ensaio de espetáculo

Não dá ainda para comemorar e soltar foguete, saudando o tão esperado espetáculo do crescimento. Mas, pelo menos, dá para desenrugar a testa: os últimos indicadores econômicos apontam para o que seria um esboço de aquecimento na economia tupiniquim, sinalizando o início do fim de longa recessão. A boa notícia, dada pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, felizmente dissipa as nuvens negras sopradas pelos ventos de uma proposta realizada há poucos dias pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, pela formulação de um pacto nacional para atravessar a turbulência nas asas de uma crise internacional.

Vamos aos fatos já conhecidos: no primeiro trimestre deste ano, a economia cresceu 2,7% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, e 1,6% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Apesar de não ser um grande número, principalmente porque vem junto com aquele do aumento recorde do desemprego nas grandes cidades, o resultado da recuperação econômica foi e continua sendo comemorado pelo governo federal, até aqui acuado por uma safra duradoura de más notícias. Mais prudente que alguns de seus colegas, o ministro Antônio Palocci, da Fazenda, advertiu que seu papel não é o de comemorar números, “até porque a evolução de crescimento econômico não será linear”, isto é, teremos momentos de maior crescimento e momentos de menor crescimento, segundo profetizou ainda em território chinês.

O efeito dos dados positivos foi visível até no semblante do presidente Lula. Economistas de plantão correram para suas planilhas e refizeram previsões, alguns projetando um PIB maior para este ano, que já vinha sendo considerado quase perdido. Cresceremos, arriscam os mais otimistas, entre 3,6% e 4,1% este ano, mesmo e apesar de percalços políticos ainda a caminho, decorrentes do baixo valor do salário mínimo e da provável derrubada, na Justiça, da contribuição previdenciária dos inativos. Sensível e atento, o próprio mercado está reagindo positivamente, com a queda do dólar e do risco-Brasil.

Nem mesmo a queda de 2,2% na safra agrícola, prevista pelo mesmo IBGE, conseguiu empanar a onda positiva despertada pela notícia da boa reação da economia, tratada com majestática prudência. Tanta prudência que os exegetas do Planalto fizeram questão de passar por cima de outro número importante: o que dá crescimento zero na média acumulada do PIB nos últimos quatro trimestres (ou doze meses) precedentes. O que se procurou evidenciar ao máximo foi que o resultado obtido no último trimestre significa uma vitória no jogo de paciência estabelecido pelo ministro Palocci. “Há muito tempo o governo não tem dúvidas de que o País está crescendo – disse o médico que cuida de nossas finanças – e agora a prioridade é tornar esse crescimento sustentável e elevar o PIB potencial do Brasil.” Como se percebe, uma indisfarçável profissão de fé que vem sendo repetida desde o início e que se manteve mesmo nos momentos mais tormentosos em que aliados chegaram a pedir-lhe a cabeça.

Os indícios positivos não podem, entretanto, dispensar a fria análise de que o crescimento da economia em apreço é dependente quase que exclusivamente do comércio exterior. E que o comércio exterior é feito em cima do agronegócio, cujo maior volume está concentrado num número muito pequeno de empresas (dizem cerca de 250, no máximo). O crescimento médio do consumo das famílias foi bem menor, de apenas 0,3% no último trimestre sobre o último trimestre do ano passado (e de 1,1% nos últimos quatro trimestres). A distribuição interna de renda, portanto, ainda vai mal, muito mal, e as famílias, que continuam consumindo muito pouco, não têm motivos para comemorações. Aguardam com ansiedade a realização do milagre que o presidente Lula já disse não existir sem o suor do rosto de cada um que não perder a esperança.

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