Eleições no TJSP: questão federal?

O Órgão Especial do TJSP, por folgada maioria de votos, aprovou resolução disciplinando as eleições internas do final do ano para as altas funções diretivas do Tribunal. Fê-lo em cumprimento a sua autonomia administrativa(artigos 93, XI, 96, I e 125, da CF).

Há,contudo, voto condutor do ministro Antonio Cezar Peluso sobre assunto, em pedido liminar de mandado de segurança contra o Tribunal Regional Federal, 3.ª Região e onde o ilustre ministro afirmou a vigência do artigo 102, da LOMAN Lei Orgânica da Magistratura, ou seja, que são elegíveis somente os três desembargadores mais antigos dos Tribunais.

É este o ponto fundamental. Há quem diga que virá de dentro do TJSP ação judicial (?) junto ao STF contra a resolução paulista na trilha do ocorrido com o TRF, da 3.ª Região.

O STF recebeu denuncia contra os 40 envolvidos no mensalão, mas é reativo no que diz respeito à autonomia da Justiças estaduais,não obstante os artigos 93, XI, 96, Ie 125, todos da Constituição Federal.

No caso do mensalão o que está em jogo é a gravíssima questão do exercício do poder político por vias pouco lícitas, mas no caso das autonomias políticas e administrativas dos Tribunais estaduais o que está em jogo não é menos grave na medida em que é a sobrevivência do próprio regime federativo posto que o STF poderá transformar, por meio de decisão judicial, o regime federativo em provincial unitário.

É por isso que penso eu com os meus botões: qual será o fundamento para o desembargador paulista mais antigo, ou os três mais antigos, ingressarem com ação judicial para ver assegurada a primazia e continuidade gerontocrática no TJSP?

A ação de inconstitucionalidade não lhes pertence, mesmo porque não há inconstitucionalidade alguma.

A LOMAN, lei que foi imposta, em 1979, sustentada numa reforma do Judiciário feita ao custo do fechamento do Congresso Nacional em 1977, é uma lei inteira e absolutamente incompatível com o principio do direito democrático da CF.

Mandado de segurança?

Tentemos, se não pela não vigência da LOMAN, pelo uso da boa razão jurídica contra a má razão política.

O órgão especial dos tribunais de justiça é um órgão público colegiado, no caso de São Paulo, formado por 25 desembargadores, sendo que, metade, eleitos pelo voto direto de seus pares(360) e metade composta pelos desembargadores mais antigos.

Nesse passo, os três desembargadores mais antigos do TJSP necessariamente são integrantes OE do TJSP, presentes ou não à sessão que aprovou a resolução eleitoral.

Ora,se fazem parte do órgão colegiado como membros integrantes não podem se voltar contra a decisão tomada pelo próprio órgão que integram, sob pena de verdadeiro non sense jurídico. Seria o mesmo que permitir que todo membro integrante de um órgão administrativo colegiado viesse sustentar judicialmente, vencido pela deliberação da maioria,ofensa a seu direito subjetivo líquido e certo. O que seria mais lógico é que se antecipassem e ingressassem com medida judicial para impedir o OE de deliberar sobre essa matéria. Não o fizeram,logo, concordaram com a legitimidade e legalidade da deliberação, assumindo o resultado.

Portanto,na medida em que a sessão do OE se instalou regularmente sem nenhum óbice ou impugnação preliminar, parece-me evidente que nenhum dos integrantes do mesmo órgão possam alegar ofensa a direito subjetivo líquido e certo.

Ademais a resolução em discussão não causou nenhuma lesão ao direito líquido e certo de os três mais antigos se candidatarem às altas funções do TJSP, já que integram o OE. A resolução só ampliou direitos. Aliás, essa ampliação é muito antiga no Tribunal de Justiça de São Paulo e é vigente há mais de quinze anos. Durante esses anos todos nunca houve quem dissesse ser ela ofensiva ao artigo 102, da LOMAN.

Por outro lado, os três desembargadores mais antigos do TJSP não podem alegar que se não fosse ampliado o número de candidatos, todos os três necessariamente seriam eleitos para uma das três funções sujeitas à eleição, considerando que a questão sairia do foco do direito de concorrer à eleição e passaria para âmbito do pretenso direito de serem os três os únicos candidatos e por via de conseqüência os únicos elegíveis. Mas acontece que não se sabe se terão as candidaturas registradas, muito menos se serão eleitos.

De qualquer forma, se por absurdo se admitisse mandado de segurança, este só poderia ter por fundamento ofensa ao artigo 102, da LOMAN e neste caso, a autoridade dita coatora teria de ser o OE do TJSP, como seria o Tribunal Pleno do TJSP, o órgão máximo competente para apreciá-lo, tudo em conformidade com os artigos 93, XI, 96, I e 125, da CF.

Enfim,a questão é estadual e não federal, não se confundindo com o tema semelhante do TRF- 3.ª Região.

De resto, penso que a questão está definitivamente encerrada sob o aspecto da impugnação pela via mandamental. No dia 10 de outubro, p.f., data limite para registro das candidaturas, abrirá oportunidade para impugnações apenas quanto aos requisitos formais estabelecidos na resolução para ser candidato.

É bem verdade que o Direito Público no Brasil está chegando ao seu fim, vencido pelos interesses ideológicos e políticos. As letras da Constituição e das leis não são mais interpretadas em função de princípios. O que há é a distorção, o aparelhamento da norma segundo os interesses acima referidos, ainda mais agora que o Brasil está caminhando muito célere ao encontro do unitarismo republicano provincial, bem a gosto de Nelson Jobim, Michel Temer e Lula.

Ainda as eleições no TJSP: questão constitucional?

A recente resolução editada pelo Órgão Especial do TJSP e de qual trato no texto acima, segundo boatos palacianos, seria alvo de representação de inconstitucionalidade junto à Procuradoria Geral da Justiça.

Mas qual o fundamento para a ADIN?

Os artigos 93, XI, 96, I e 125, da Constituição Federal, especificamente este último preceito, dá plena e irrestrita autonomia aos Tribunais de Justiça estaduais para se autoorganizarem.

Ofensa ao artigo 93, I, da CF?

O 93, I, da CF, fala em Estatuto da Magistratura e não em Lei Complementar Orgânica do Poder Judiciário estadual.

Há diferença palmar entre estatuto e lei orgânica, como expus no artigo constante da página 3, deste site.

Portanto, jamais seria inconstitucional uma mera resolução de administração interna do TJSP que trata das eleições para as altas funções diretivas do mesmo tribunal, já que inteiramente de acordo com os preceitos constitucionais acima citados, especialmente,repito, o artigo 125, da CF.

Não bastasse essa questão de conteúdo, há outra da mais absoluta relevância: O órgão especial de um tribunal de Justiça, não passa de um órgão administrativo com funções delegadas pelo Tribunal Pleno na exata dicção do artigo 93, inciso XI, da CF, ou seja, é um órgão hierárquica e administrativamente inferior ao Tribunal Pleno.

Em sendo assim, o único órgão constitucionalmente competente para apreciar qualquer espécie de ilegalidade ou inconstitucionalidade da supra referida resolução é o próprio Tribunal Pleno do TJSP, sob pena de se tornar a representação para ADIN, um verdadeiro descaso e desrespeito autoritário pela autonomia constitucional da Justiça de São Paulo, ou seja, a pessoa física do desembargador que se achar lesado pela resolução prevalecer sobre próprio Tribunal de qual fazparte.

Enfim, o OE do TJSP não é o Tribunal de Justiça! O ato administrativo ilegal ou inconstitucional só pode ser revisto pela autoridade administrativa hierárquica suprema, no caso, o Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O Código Civil, de Napoleão Bonaparte continha no seu artigo 7.º, uma curiosa disposição. Algo parecido como: é vedado ao juiz, a pretexto de interpretar o texto legal, distorcê-lo.

Veja só: o Código Civil napoleônico já previa essa espécie de interpretação.

Augusto Francisco Mora Ferraz de Arruda é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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