Venezuela dá nova dimensão ao Mercosul

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, em Montevidéu, no Uruguai, que a adesão plena da Venezuela ao Mercosul marca o início de um novo momento da integração sul-americana. ?O sucesso do nosso agrupamento acaba de atrair um novo estado parte?, afirmou o presidente, durante a reunião de cúpula do bloco. ?Estamos ultrapassando as fronteiras do Cone Sul e ganhando uma nova dimensão geográfica e econômica.? O encontro de líderes do Mercosul em Montevidéu marcou oficialmente o início do processo de adesão plena da Venezuela ao bloco.

A partir de agora, o governo venezuelano poderá participar de todas as reuniões dos membros plenos do Mercosul, mas só terá direito a veto quando se adequar a todas as regras e acordos do bloco, o que ainda deve durar alguns meses.

Uma das exigências é que a Venezuela passe a adotar a Tarifa Externa Comum (TEC), taxa que os países do Mercosul impõem à importação de produtos de fora do bloco. Para se equiparar aos seus novos sócios, o governo venezuelano terá que ajustar as tarifas que aplica atualmente.

Comunidade andina

Um dos possíveis obstáculos para a conclusão do processo de entrada do novo sócio no Mercosul é o fato de a Venezuela já integrar a CAN (Comunidade Andina de Nações), que reúne também Colômbia, Bolívia, Peru e Equador.

Insatisfeito com a aproximação de outros países andinos com os Estados Unidos, o governo venezuelano ameaça deixar a CAN, mas os parceiros do Mercosul esperam que a adesão do novo sócio não cause problemas na relação entre os dois grupos regionais.

?Estamos empenhados em garantir que a incorporação da Venezuela ao Mercosul se faça sem traumas e prejuízos para a rica e intensa relação desse país com as demais nações do pacto andino?, afirmou Lula em seu discurso.

Em um comunicado divulgado ao final do encontro, os países da CAN que participam da reunião no Uruguai como membros associados divulgaram um comunicado em que saúdam a adesão da Venezuela ao Mercosul.

No texto, os países andinos afirmam que a medida permite o avanço da construção da Comunidade Sul-Americana de Nações e reafirmam o compromisso da CAN com o projeto de integração da América do Sul.

Parlamento

Na reunião de ontem, os membros do Mercosul também assinaram um acordo que define os detalhes para que um parlamento regional entre em funcionamento no fim de 2006.

Em uma primeira etapa, até o fim de 2010, o Parlamento do Mercosul deve ser formado por 18 representantes de cada um dos quatro países que já são membros plenos do bloco.

Nessa primeira fase, os parlamentares serão indicados pelos congressos nacionais dos países do Mercosul. Depois, a partir de 2011, a eleição será por voto direto, e o Brasil defende que os países com população maior tenham direito a mais representantes no parlamento.

?A nova instituição, que será integrada por representantes eleitos por sufrágio direto, contribuirá para dar ao bloco a legitimidade que só pode ser conferida pela vontade popular?, disse Lula durante o encontro em Montevidéu.

?O êxito de nossa ação conjunta será ainda maior quando contarmos com instituições fortalecidas que apóiem e complementem o trabalho diário de nossos quatro governos?, acrescentou o presidente. ?Se aceitamos o destino comum da integração regional, temos que ver como natural o reforço da estrutura institucional do bloco.?

Estudos para um megagasoduto

Brasil, Argentina e Venezuela se comprometeram a iniciar os estudos técnicos e econômicos para construir o gasoduto gigante que ligaria os três países. A Venezuela tem as maiores reservas de gás natural do continente e o projeto ajudaria a abastecer vários países da região, além de Brasil e Argentina.

O ministro de Minas e Energia do Brasil, Silas Rondeau, disse a jornalistas que o gasoduto terá uma extensão de 8 mil quilômetros e demandará investimentos entre US$ 10 bilhões e US$ 17 bilhões. Ele afirmou que a construção levaria cerca de cinco anos. O gasoduto poderia fazer parte de uma rede que interligaria também Uruguai, Chile, Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia.

A finalização do megaprojeto será parte dos estudos a serem realizados e dos quais poderão participar empresas privadas do setor, sinalizaram os representantes do Brasil e da Argentina sem oferecer mais detalhes.

O gasoduto, que terá como maior obstáculo a transposição da Amazônia, segundo antecipou Rondeau, criará a ?independência energética? da região e pemitirá que ?este gás da América do Sul fique na América do Sul?.

O convênio, que estabelece os estudos do projeto, foi assinado pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, da Argentina, Néstor Kirchner, e o da Venezuela, Hugo Chávez, durante reunião em Montevidéu que marcou a entrada do país caribenho no Mercosul, também integrado por Uruguai e Paraguai.

Política industrial deve ser comum

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem, em discurso na sessão de trabalho dos presidentes do Mercosul, a consolidação de uma política industrial comum do bloco. Sem detalhar essa proposta, ele apenas mencionou que o mecanismo poderia dar maior dinamismo à economia da região e aumentar sua inserção no mercado mundial.

Lula afirmou que a construção naval poderia servir como modelo de integração produtiva do Mercosul. E informou que, no primeiro semestre de 2006, o governo brasileiro escolherá pelo menos um projeto produtivo para integrar-se ao Mercosul e à Venezuela, o novo sócio pleno do bloco. ?Essa iniciativa será um estímulo para a construção de um novo paradigma de desenvolvimento da região?, disse o presidente. ?Quanto mais forte estejam a Argentina, o Uruguai, o Paraguai, a Venezuela, mais forte o Brasil vai caminhar?, argumentou.

O presidente lembrou que o Brasil financia e dá garantias atualmente a 43 projetos de integração física da América do Sul, no valor de ?2 mil milhões de dólares? (US$ 2 bilhões) – recorrendo, no discurso, à forma que os falantes de língua espanhola usam para designar os bilhões.

O presidente ainda saudou a criação do Parlamento do Mercosul, que deve começar a funcionar em 2006, e defendeu que o bloco seja dotado de um braço executivo mais forte.

Europa intrigada com o interesse da Venezuela

Paris (AE) – Mesmo que hipótese fosse conhecida desde agosto, a entrada da Venezuela no Mercosul intrigou as capitais européias. O jornal francês Le Figaro disse que foi ?uma aliança quase antinatural? em referência a uma questão geográfica, já que o país de Hugo Chávez não faz parte do Cone Sul. Não vêem com bons olhos aquilo que os venezuelanos esperam como benefícios econômicos, sendo que o comércio local tem uma estrutura muito particular, que não parece estar alinhado com o mercado comum da América do Sul: o gás e o petróleo constituem sozinhos 80% das exportações venezuelanas. Quanto às importações, são provenientes principalmente dos Estados Unidos e da Colômbia.

Portanto, a Europa vê essa adesão, primeiro, como um belo ?golpe político?, bem-sucedido na medida em que Chávez foi ajudado por alguns de seus vizinhos, particularmente o argentino Nestor Kirchner, o uruguaio Tabaré Vasquez e o brasileiro Luís Inácio Lula da Silva. O petróleo permitiu a Chávez queimar etapas para entrar no Mercosul, já que bateu os países andinos, o Chile, a Bolívia e o Peru, que já eram membros associados, mas ainda não tinham recebido o ingresso na entidade por inteiro.

Claro, os comentaristas julgam que o golpe da Venezuela não deve agradar os EUA. Segundo o Figaro, essa adesão significa, para o presidente Bush, a morte de seu projeto de zona de livre mercado da Américas, do Alasca à Terra do Fogo, projeto que Chávez sempre tentou atacar.

O mesmo jornal coloca a questão dos efeitos que essa adesão poderá ter sobre a economia venezuelana. A resposta é dúbia: por um lado, é verdade que a entrada no Mercosul pode ter conseqüências devastadoras sobre uma parte da economia de Chávez sobre a agricultura e a pecuária. Mas, em contrapartida, Chávez rompe o ?cordão de isolamento? que os EUA tentam estabelecer em torno da Venezuela. Além disso, Chávez se beneficiará da proteção diplomática de Kirchner e Lula.

Outro jornal francês, Le Monde, insiste sobre um outro aspecto. Nota que três países membros da Comunidade Andina das Nações (CAN), a Colômbia, o Peru e o Equador, mesmo ao garantir que as negociações entre Mercosul e a CAN continuem, nem por isso deixaram de optar por negociar acordos bilaterais de livre comércio com Washington.

O Monde comenta: ?A fratura econômica do continente parece ter começado?.

Brasil vai pagar mais pela energia gerada por Itaipu

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e do Paraguai, Nicanor Duarte Frutos, fecharam acordos para a construção de uma nova ponte na fronteira entre os dois países e para o reajuste do preço da energia gerada na hidrelétrica de Itaipu. A partir de janeiro, o Brasil passará a pagar ao Paraguai US$ 21 milhões por ano a mais do que paga atualmente pela energia de Itaipu.

Os dois países têm direito de utilizar em partes iguais a energia gerada pela represa binacional, mas atualmente o consumo brasileiro é bem maior, cerca de 95% do total. Para suprir a demanda, o Brasil compra parte da energia que corresponde ao Paraguai e, para isso, a Eletrobrás paga atualmente cerca de US$ 250 milhões por ano.

O acordo que permitiu o reajuste foi acertado na noite de quinta-feira, em uma reunião entre Lula e Duarte Frutos, em Montevidéu, no Uruguai, onde os dois presidentes participam da reunião de cúpula semestral do Mercosul.

Ponte

Brasil e Paraguai também fecharam um acordo para a construção de uma ponte que ligará as cidades de Foz do Iguaçu, no lado brasileiro, e Presidente Franco, em território paraguaio.

A obra, que tem um custo estimado em US$ 50 milhões, será financiada pelo governo brasileiro. Os recursos para a construção da ponte devem sair do orçamento do Ministério dos Transportes.

O início da obra ainda depende da aprovação do acordo pelos Congressos dos dois países. A ponte era um antigo projeto de Brasil e Paraguai, que negociam a sua construção há mais de dez anos.

Inicialmente, a idéia era realizar a obra com a participação da iniciativa privada. Mas estudos de viabilidade indicaram que a exploração privada da ponte não compensaria o custo da obra.

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