Produtores choram pelo leite derramado

O anúncio da suspeita de febre aftosa no Paraná, feita pelo governo estadual no último dia 21, colocou toda a cadeia produtiva em alerta. Dez dias depois, mesmo sem a confirmação de focos no Estado – a divulgação do laudo dos exames foi adiada diversas vezes, mas deve finalmente acontecer esta semana -, os prejuízos já são imensos e atingem do produtor à indústria.

Entre os produtores, são os da pecuária leiteira que estão amargando os maiores prejuízos. Apenas o pool formado pelas cooperativas Batavia, Castrolanda e Wittmarsum, na região dos Campos Gerais, acumula prejuízo estimado em quase R$ 1,1 milhão. É que com o anúncio da suspeita de aftosa no Estado, mercados importantes como São Paulo proibiram o ingresso do leite in natura do Paraná. Conclusão: milhares de litros de leite estão sendo jogados fora todos os dias.

?Em nove anos que atuo nesta área, nunca vi uma situação tão crítica?, reconhece a engenheira agrônoma da Federação de Agricultura no Paraná (Faep), Maria Sílvia Cavichia Digiovani, assessora da Comissão Técnica de Leite. Segundo ela, a região dos Campos Gerais é a mais tecnificada do Estado, com garantia de sanidade, qualidade e boa genética. Por isso, sua produção atende gigantes como a Nestlé e a Danone. ?A maior parte da produção vai para São Paulo. Elas (indústrias) compram daqui porque sabem que é um leite de melhor qualidade.?

As três cooperativas juntas produzem 250 mil litros de leite por dia. Considerando que a venda para outros estados está proibida há dez dias e que o litro do leite, até então, era vendido a uma média de R$ 0,47, chega-se à cifra de R$ 1,1 milhão de prejuízo, apenas naquela microrregião. ?É um prejuízo que não se recupera mais?, lamenta, acrescentando que nada pode ser feito pelos produtores. ?Não há como estocar este leite. Também não há como deixar de tirar o leite da vaca?, diz. O produto também não pode ser distribuído à população, uma vez que não é pasteurizado. ?É só para uso industrial?, esclarece. Segundo ela, a indústria está pasteurizando o que pode para mandar para outros estados, mas não tem capacidade de dar conta de um volume tão elevado.

Para Maria Sílvia, está havendo uma preocupação excessiva e prejudicial por parte de outros estados em relação ao leite cru paranaense. ?Tem que haver preocupação, o momento é para isso. Mas já estão exagerando?, critica, acrescentando que o risco da existência do vírus no leite cru é muito baixo.

A situação, porém, pode piorar ainda mais. Caso os focos de aftosa se confirmem no Paraná, a produção de leite terá que ser reduzida. Uma das maneiras, segundo a engenheira agrônoma, é alterando a alimentação dos animais. Como medida mais radical e, a última das alternativas, está o abate de matrizes pelo preço do animal de corte.

A produção de leite do Paraná é de 2,4 bilhões de litros ao ano, o que corresponde à 10% da produção nacional, enquanto o consumo é de 1,5 bilhão de litros. Tudo o que sobra – cerca de 900 milhões de litros – é vendido para outros estados. O rebanho leiteiro é formado por aproximadamente 2 milhões de cabeças.

Frimesa já contabiliza os prejuízos

A Frimesa, indústria que produz derivados de leite e carne suína e tem sede em Medianeira (oeste do Paraná), é apenas uma entre várias do segmento que já vem sentindo os efeitos da suspeita de febre aftosa no Estado.

?No primeiro momento, houve uma interrupção quase generalizada da comercialização. As exportações ficaram suspensas, assim como a comercialização com São Paulo e Santa Catarina?, lembra o diretor-executivo da Frimesa, Elias José Zydek. ?Houve um prejuízo terrível, mas desde quinta-feira (dia 27), a situação começou a melhorar, com São Paulo e Santa Catarina reabrindo as divisas.?

Segundo Zydek, a direção da empresa chegou a programar a paralisação do abate de suínos a partir da última quarta-feira, dia 26, mas a medida não precisou ser colocada em prática. ?Como a situação normalizou em termos de mercado interno, não houve a necessidade de suspender os abates?, explica.

Quanto aos prejuízos, Zydek informa que a empresa ainda não colocou os números na ponta do lápis. Mas conta que entre os custos diretos está o arrendamento de frigoríficos de terceiros, para evitar a interrupção da produção. ?Tivemos que estocar a carne fora das nossas instalações, o que significou gastos com logística, armazenamento?, diz.

Se a comercialização com São Paulo e Santa Catarina já foi normalizada, o mesmo não se pode afirmar quanto às exportações. Até agora, apenas Hong Kong, que compra cerca de 25% da carne suína congelada exportada pela Frimesa, fechou negócios. A Rússia, maior compradora de carne suína da empresa paranaense (responsável por 50% das exportações), não havia fechado negócio até sexta-feira. Também o Uruguai, que compra 20%, não havia se manifestado. ?Para novembro, já era para as cotas estarem todas negociadas, mas até agora só Hong Kong fechou?, comenta o diretor-executivo. Na linha de carnes, a produção da Frimesa é de 5 mil toneladas por mês, entre embutidos e carne suína de corte, congelada. Desse total, 80% fica no mercado interno e 20% é exportado.

Lácteos

O setor de lácteos é outro que vem sofrendo prejuízos. Segundo Zydek, a captação de leite pela Frimesa reduziu em 23% na semana passada, passando de 800 mil litros por dia para 650 mil. ?Desde segunda-feira, reduzimos a compra do leite do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e mantivemos a compra dos produtores do Paraná?, afirma. Segundo ele, a medida foi para reduzir a produção de leite longa vida e do queijo – produto que é exportado. ?O leite longa-vida não nos traz lucratividade alguma. E quanto ao queijo, reduzimos a exportação também por conta do câmbio?, relata. Zydek não descarta a demissão de funcionários, caso a situação piore ainda mais. Atualmente, as dez unidades industriais, incluindo o frigorífico, empregam 2,3 mil pessoas. (LS)

Apreensão também na pecuária de corte

Não são apenas os produtores da pecuária leiteira que estão amargando prejuízos. Para a pecuária de corte, a situação está igualmente complicada. ?Muitos estão com animais prontos para o abate, mas os frigoríficos não querem comprar ou estão pagando muito pouco?, afirma o coordenador do Programa de Produção Paranaense de Carnes e Leite à Base de Pastos, Rubens Ernesto Niederheitmann. ?Se a eficiência do animal já foi atingida, a partir daí o produtor só gasta dinheiro, porque ele vai comer mais do que precisa, não vai pesar mais por isso e só vai ficando mais velho?, explica. ?Os gastos com a ração e a pastagem acabam sendo maiores do que o retorno financeiro.? Segundo ele, alguns produtores que estavam com os animais confinados devem soltá-los de novo no pasto.

De acordo com o coordenador, o clima entre os produtores da pecuária de corte é de apreensão. ?O preço da arroba, que estava a R$ 52,00, caiu para R$ 46,00 a R$ 47,00?, comenta. Niederheitmann critica a postura de grandes redes de supermercados que estão se abastecendo de carne em outros estados. ?É um comportamento que prejudica ainda mais o Paraná?, aponta. Segundo ele, entre 70% e 80% da carne vermelha comercializada em grandes redes vem de outros estados.

Sobre o resultado dos exames, Niederheitmann afirmou que ?a expectativa é que os focos não sejam confirmados.? ?Mas se forem, que o local seja rapidamente isolado. Com isso, dentro do prazo de seis meses, tudo estará resolvido?, acredita. ?O problema é que a pecuária de corte tem ciclos. Depois de estar no fundo do poço, começava a reagir. Agora, alguns produtores podem até desistir dessa atividade?, lamenta.

Vacinação

Para Niederheitmann, o possível foco de aftosa no Paraná pode ter surgido de três maneiras: ou o animal não foi vacinado, ou foi vacinado de forma errada ou ainda a vacina não foi devidamente armazenada, perdendo assim a eficácia. Outro problema, segundo o coordenador, é o fato de animais novos demorarem para serem vacinados. ?Como são muito sensíveis e o Paraná não registrava aftosa há dez anos, muitos produtores deixavam para vacinar o animal quando estivesse um pouco maior?, aponta. Outra questão, segundo ele, é o fato do produtor aguardar para vacinar seu rebanho apenas durante as campanhas.

O rebanho da pecuária de corte do Paraná é formado por cerca de 8 milhões de cabeças. Há aproximadamente 40 mil produtores. A produção estimada é de 400 mil toneladas de carne por mês. (LS)

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