Mercado já trabalha com aumento da inflação

Rio

e São Paulo – A pressão do dólar sobre os custos de indústria e comércio fizeram a inflação atingir um novo patamar. Economistas já não duvidam de uma alta de preços no varejo na casa de dois dígitos no ano que vem, fato que não ocorre desde 1995. Os últimos índices de inflação mostram um reajuste generalizado. Mesmo em setores onde há quedas consecutivas de vendas, como o eletroeletrônico, começa a haver um repasse maior da desvalorização cambial ao consumidor. Empresários e comerciantes alegam que chegou ao limite a redução de lucros que, até então, evitava reajustes mais altos. Em alguns casos, como o da indústria farmacêutica, as margens de lucro caíram 70% este ano.

O IPCA, índice de preços usado nas metas do governo e que mede os reajustes para o consumidor, registra alta acumulada em 7,93% nos últimos 12 meses. No caso dos índices gerais de preços (IGP), compostos principalmente da inflação no atacado, desde julho a alta em 12 meses já supera os 10%.

– À luz das informações disponíveis, há uma chance razoável de os índices no varejo atingirem dois dígitos, o que já vem acontecendo com os IGPs – diz Odair Abate, economista-chefe do banco Lloyds.

lCaso o real não apresente uma valorização expressiva nos próximos meses, nem mesmo o fim da entressafra de alguns produtos agrícolas deve ser suficiente para impedir a alta da inflação. Na sexta-feira, o Banco Central lançou uma ofensiva para frear a disparada do dólar. Os economistas acreditam que as cotações devem recuar, mas, de qualquer maneira, o câmbio ficará num patamar muito acima do imaginado no início do ano. Hoje, o dólar acumula alta de 66% em 2002.

– A grande novidade na inflação de setembro foi que houve um aumento generalizado. Parece ter chegado a um novo patamar. O índice deste ano pode ser maior do que o do ano passado (quando o IPCA subiu 7,70%) e, no ano que vem, pode ser ainda mais alto. Assim, fica mais difícil retomar a trajetória de queda na inflação – diz o economista Alexandre Maia, da GAP Asset.

O temor dos economistas é de que a estagnação dos salários deixe de ser uma restrição para o aumento da inflação. O país está caminhando para o quinto ano consecutivo de queda nos rendimentos do trabalho. Mesmo assim, alguns setores da indústria têm repassado a alta nos custos em meio a uma forte queda no faturamento. No mês passado, os eletroeletrônicos subiram 1,94%. Enquanto isso, as vendas do setor, que caíram 6,8% no ano passado, ficaram estagnadas este ano.

– Já chegamos ao nosso limite. O pequeno ajuste de preços está muito aquém das nossas necessidades. O repasse esbarra na capacidade do mercado, mas a outra alternativa é simplesmente reduzir a produção – diz Paulo Saab, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros).

Segundo Saab, o aumento de custos no setor chega a 36% este ano. Além dos insumos importados, as indústrias de eletroeletrônicos sofrem com matérias-primas com preço cotado no mercado internacional, como vidro, papelão, plástico e aço.

Diante das pressões de custo, algumas indústrias já começam até a mudar seu processo produtivo. A Quimvale, indústria química do município fluminense de Barra do Piraí que produz matéria-prima para tintas e plásticos, está investindo R$ 600 mil para substituir suas caldeiras movidas a óleo combustível por outras que usam lenha. Motivo: a alta de 65% no preço do óleo combustível este ano. A empresa também está investindo mais R$ 150 mil para converter parte das caldeiras a óleo para combustão a gás.

– Não me resta outra alternativa. O óleo combustível representa quase 30% da minha matriz de custos. Apesar de ser 85% produzido no Brasil, a Petrobras reajusta a tarifa do óleo de acordo com o dólar. Enquanto isso, meus preços não sobem há mais de 15 meses e eu não tenho como repassar o aumento dos custos – diz o diretor-administrativo da Quimvale, Rubens Muniz.

Omilton Visconde Júnior, presidente do laboratório Biossintética e do Conselho da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica, afirma que a situação do setor está insustentável. A queda na margem é estimada em 70%. Cerca de 40% dos custos de produção dos medicamentos são dolarizados. Os preços de venda estão congelados pelo governo. Se não fosse isso, os reajustes já teriam ocorrido. A indústria reduziu os descontos e, mesmo com o controle de preços, já repassou para o varejo uma alta de 4,31%:

– Estamos cortando pessoal, suspendendo investimento e renegociando dívidas com fornecedor, mas isso não é suficiente para fazer frente ao aumento de custos com a alta do dólar. Boa parte das companhias está operando no prejuízo – afirma Omilton.

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