Japão quer álcool, mas há problemas

A venda de etanol (álcool etílico hidratado carburante para uso industrial e como combustível), apresentada como a maior vitória na viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Oriente, é um processo mais incerto do que parece quando se refere ao Japão. O país asiático teria de gastar US$ 3,5 bilhões para adaptar os seus cerca de 50 mil postos de gasolina e preparar a infra-estrutura portuária e de transporte para receber o combustível brasileiro.

Como os consumidores japoneses poderiam optar por usar apenas a gasolina pura, cada posto local teria de ter uma bomba extra instalada para oferecer a mistura com o etanol. Segundo Naoki Nishio, presidente da Nedo (New Energy and Industrial Technology Development Organization, a estatal que cuida de álcool no Japão), haverá efeitos para o consumidor.

?No Japão, há uma forte competição na indústria petrolífera. Os preços refletem essa competição. Se eles tiverem que investir US$ 3,5 bilhões num sistema de distribuição para o etanol, os preços dos combustíveis vão subir?, diz Naoki. Há dois anos, o governo propôs e a Dieta (Parlamento do Japão) aprovou a mistura de até 3% de etanol à gasolina. As empresas revendedoras até hoje não se mexeram para operar essa mudança.

A idéia do governo japonês é buscar formas mais limpas de energia. Precisa cumprir o que determina o Protocolo de Kyoto. Os países signatários desse documento se comprometem a reduzir gradualmente o seu nível de emissão de gases poluentes.

?O problema é saber se as empresas estarão dispostas a investir tanto em uma solução que não é definitiva. O futuro será o hidrogênio como matriz energética. A Toyota já tem pesquisa avançada nessa área. O etanol seria apenas provisório e custaria caro?, diz o economista Kotaro Horisaka, da Universidade Sofia, de Tóquio, especializado em Brasil.

Hoje, o Brasil exporta 2 bilhões de litros de etanol anuais para vários países. Se o Japão adicionar 3% desse produto à sua gasolina, a necessidade seria de 1,8 bilhão de litros por ano, diz Naoki Nishio. Praticamente duplicaria a exportação brasileira.

Corrida contra o tempo

O tempo corre contra o Brasil, pois as pesquisas sobre outros tipos de combustível seguem avançando. ?Ninguém sabe quanto tempo vai demorar até que o hidrogênio esteja disponível?, diz Kotaro Horisaka. Mas ele acha que as empresas japonesas vão preferir não ficar dependentes de um país longínquo como o Brasil.

?O ideal seria os brasileiros transferirem tecnologia para Austrália, Vietnã e outros, como se fala, para que os produtores de etanol fossem mais diversificados e mais próximos do Japão.?

Para os japoneses, o tempo também é crucial para atender às exigências do Protocolo de Kyoto. ?O governo vai tornar a sua decisão obrigatória em algum momento?, diz Naoki Nishio.

Mas a pressão governamental não elimina os obstáculos. ?Para trazer álcool, temos que usar um tanque químico. Não podemos usar um tanque de óleo cru. O número de tanques químicos é limitado em todo o mundo.?

E é preciso certificar a qualidade do produto. Em 2004, um carregamento de álcool brasileiro chegou contaminado por 1,4 dioxa, substância cancerígena. ?No passado, nunca tivemos essa experiência?, diz Nishio.

?Isso aconteceu em junho do ano passado. Foi algo terrível. Tivemos que suspender a produção de álcool. Nós fomos saber do problema dois meses depois que o álcool chegou ao Japão. O prejuízo foi enorme. No Brasil, isso não é uma questão especial porque a maior parte do uso do álcool é como combustível. Mas aqui nós estamos usando o álcool na indústria de alimentos?, explica o presidente da Nedo.

Viagens completam ciclo da política externa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que a viagem à Coréia e ao Japão, encerrada neste sábado (28), completou o ciclo da política externa brasileira. ?Eu penso que nós conseguimos completar um ciclo na nossa política externa. Um ciclo que vem dando resultados extraordinários. Nós temos uma balança comercial com o Japão da ordem de US$ 5,6 bilhões. Nós temos uma balança comercial com a Coréia da ordem de US$ 3,2 bilhões. Nós achamos que pelo potencial do Brasil e pelo potencial dos dois países que nós visitamos, Coréia e Japão, nós poderemos fazer muito mais. Poderemos ter uma balança comercial muito mais produtiva que possa possibilitar eles comprarem mais produtos brasileiros, termos mais acordos no campo científico e tecnológico?, afirmou Lula em seu programa quinzenal Café com o Presidente.

Ele destacou as discussões com os governos japonês e sul-coreano sobre a venda de álcool brasileiro. Lembrou que, assim como o Brasil, o Japão aderiu ao Protocolo de Kyoto (firmado na cidade japonesa de Kyoto), em que os países se comprometeram a reduzir a emissão de gases poluentes. ?O Japão vai precisar colocar um aditivo menos poluente na gasolina. Nós, aqui no Brasil, colocamos até 25% de álcool na gasolina e o carro funciona normalmente. O Japão deve começar com 3% e a Coréia também precisa começar e o mundo inteiro vai ter que começar. E ninguém pode competir com o Brasil na produção de álcool combustível. O Brasil tem muito mais potencial, tem tecnologia já há 30 anos. E nós fomos lá para tentar convencê-los. Fomos discutir a questão do biodiesel com eles, levamos as garrafinhas do biodiesel para entregar, para saber o que nós poderemos produzir?, disse.

O presidente retornou ao Brasil neste domingo (29).

Voltar ao topo