Governo vai investir para privatizar estradas

Brasília, Rio e São Paulo  – As empresas privadas que assumirem rodovias federais deverão receber estradas reformadas e recuperadas pelo governo. A proposta apresentada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para as próximas concessões de estradas no País prevê ainda que os investimentos necessários sejam todos realizados pelo governo, antes da licitação. A idéia é que, dessa forma, os preços dos pedágios sejam menores, pois as empresas não precisariam repassar aos motoristas gastos feitos com obras.

O diretor-geral da ANTT, José Alexandre Resende, afirmou que a proposta da agência é que o vencedor da licitação, que cairia dos atuais 25 anos para oito ou dez anos, assuma a conservação e operação das estradas. Ainda há divergências dentro do governo, no entanto, se seriam feitas todas as obras necessárias nas estradas ou apenas as emergenciais, antes de entregá-las à iniciativa privada.

A decisão final será do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele está analisando se será retomada a licitação para a concessão de sete trechos de rodovias federais, iniciada no governo passado e que foi suspensa. A outra hipótese é o lançamento de um novo edital com base em outro modelo.

? Esta é uma decisão de Estado ? afirmou um técnico do governo.

O governo já tem uma estrada que pode servir de teste para a proposta da ANTT: a Fernão Dias, que liga Minas Gerais a São Paulo, está sendo recuperada com recursos do Banco Mundial. No financiamento, o governo assumiu o compromisso de que, concluídas as obras, a rodovia será repassada para a iniciativa privada.

Quem viajou de São Paulo para Campinas ou para Santos nos últimos cinco anos notou a diferença que a participação da iniciativa privada provocou nessas duas estradas. Nos 90 quilômetros que separam a capital paulista de Campinas ou nos 80 quilômetros até Santos, qualidade, segurança e eficiência no atendimento ao usuário fazem diferença.

? A estrada é muito boa. A gente só pensa em parar quando precisa ir ao banheiro ? diz o caminhoneiro Edson Sartori.

A Autoban é a concessionária responsável pela estrada que vai para Campinas. Já a Ecovias administra o sistema Imigrantes-Anchieta. Em ambas as rodovias, o que se vê é boa sinalização, pistas bem conservadas e amplas e um eficiente sistema de atendimento ao usuário.

Mas isso tem um preço. Para se chegar a Campinas é preciso deixar R$ 8,20 em cada um dos dois pedágios. Para chegar a Santos, são R$ 11,80, um dos mais caros pedágios do País. Esses preços são para automóveis comuns, de passeio. Caminhões pagam mais.

A qualidade das estradas de São Paulo não está presente em todo o País. Empresas que operam rodovias federais e estaduais ainda derrapam em alguns serviços. Uma viagem pela Rio-Juiz de Fora (BR-040) revela, por exemplo, a falta de telefones de emergência à margem da rodovia. Pior: o telefone da concessionária que consta do recibo de pedágio está desativado. O número correto só pode ser visto nas placas de sinalização.

O advogado Jorge Vieira, que trafegava pela Rio-Juiz de Fora no último dia 22, não economizou críticas:

? O pedágio é muito caro em relação ao serviço oferecido.

O presidente da Concer, Pedro Jonsson, que administra a Rio-Juiz de Fora, já apresentou um projeto à ANTT para implantação na rodovia de um moderno sistema de comunicação. Mas o plano não deve sair do papel tão cedo: Jonsson estima que o sistema estará funcionando somente em três anos.

Sobre o telefone, ele afirma que os funcionários devem fornecer aos usuários o novo número (0800-2820040) e que um problema técnico impede que se altere o número que consta no recibo de pedágio.

Na rodovia Rio-Teresópolis-Além Paraíba (um trecho da BR-116), a reclamação mais freqüente é quanto à conservação das pistas.

? Pelo valor do pedágio, era para estar um tapete ? disse o economista Jorge Esteves no dia 25.

Semana passada, dos cem telefones de emergência da Rio-Teresópolis, só 30 funcionavam. Segundo o presidente da concessionária CRT, Elísio Lincoln, o sistema está sendo prejudicado por vândalos.

Estrada estadual que faz a ligação Itaboraí-Friburgo-Macuco, a RJ-116 é administrada pela concessionária Rota 116 desde 2001 e apresenta problemas como a falta de telefones e de acostamento em vários trechos.

? Deixei de ir a Friburgo por causa da estrada. Agora ela melhorou um pouco, mas ainda tem buracos ? queixou-se Galdioso Cabral Leite, na tarde do dia 20.

Segundo Ênio Nogueira, diretor da Rota 116, até o ano que vem a concessionária deve construir os acostamentos que faltam. Quanto aos telefones, diz que o contrato exige que eles sejam instalados somente quando o fluxo atingir 12 mil veículos por dia. Hoje o fluxo diário está em cinco mil veículos.

Pedágio é a principal reclamação

A falta de duplicação em trechos com alto tráfego e o custo dos pedágios estão entre as principais reclamações dos motoristas que usam as rodovias de estados importantes para o escoamento da safra brasileira. É o caso do Paraná, onde a avaliação geral de usuários ? e até do governo ? é a de que as concessionárias fizeram pouco pelas rodovias do Estado, onde cobram pedágios entre R$ 3,40 e R$ 4,80.

No Paraná, a União transferiu o poder para o Estado, que fez licitações para administração e conservação das rodovias. Os contratos de concessão às seis empresas que atuam no Estado foram assinados em 1997 e são válidos por 24 anos. Dos 2.500 quilômetros de estradas sob gestão privada onde há pedágio, somente 534 quilômetros estão duplicados. Desse total, só 144 quilômetros foram duplicados pelas próprias concessionárias.

? A tarifa é muito alta para poucos benefícios ? afirma o diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) do Paraná, Rogério Tivvot.

As reclamações são freqüentes entre os usuários da BR-277, que liga Foz do Iguaçu (fronteira com o Paraguai) a Paranaguá, e da BR-376, que liga Ponta Grossa (a cerca de 150 quilômetros de Curitiba) à região Norte do Estado. As rodovias são os dois principais acessos ao Porto de Paranaguá, o maior terminal graneleiro do País, responsável pelo escoamento das safras de Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraguai. Servem também ao transporte de mercadorias importadas pelo país vizinho.

Reclamações

Os motoristas reclamam das condições do acostamento e da falta de sinalização.

? A perda de tempo é grande ? reclama o caminhoneiro José Barreto, que transporta grãos do Paraguai até Paranaguá uma vez por semana e retorna ao país vizinho com o caminhão carregado de adubo. São R$ 360 por semana com pedágio.

É a mesma reclamação do caminhoneiro Celso de Oliveira, que transporta carga de Foz a Curitiba. Semana passada, ele aguardava reparos no pneu do caminhão, que teve a câmera cortada ao trafegar pelo trecho de pista simples da BR-277, na altura de Ponta Grossa, que passa por obras de recuperação:

?  O pedágio é muito caro pela condição da estrada.

A situação é crítica também na BR-376, onde estão sendo feitas obras de reparo e alargamento de pista. Além de a rodovia ser bastante sinuosa, há vários pontos com asfalto deteriorado e só há meia pista de acostamento, com desnível.

Há mais problemas, como a falta de aparelhos telefônicos ao longo das rodovias. As concessionárias divulgam apenas os números para pedidos de socorro. Os usuários dependem do próprio celular ou da colaboração de outros motoristas. Nos trechos mais distantes das cidades ainda não há cobertura para telefonia móvel, e as concessionárias mantêm os serviços de atendimento concentrados nas praças de pedágio.

O presidente da Rodonorte, Maurício Vasconcellos, responsável por parte da rodovia e por um trecho da BR-277, alega que o trecho da BR-376 que recebe as queixas dos motoristas é o de menor fluxo, com cerca de três mil veículos por dia. Segundo ele, pelas normas internacionais seria necessário um fluxo de pelo menos cinco mil veículos por dia para justificar a duplicação das pistas.

Vasconcellos ressalta que, pelo cronograma de obras acordado com o governo, a prioridade nestes primeiros anos de concessão é a restauração, seguida da construção de terceira faixa. O investimento pesado em duplicações estaria previsto somente para 2010:

? Já restauramos 400 quilômetros em três anos. Essa rodovia estava muito ruim. O programa de concessão no Brasil veio justamente para fazer a restauração das rodovias.

O executivo conta um fato pitoresco para confirmar o sucesso da administração terceirizada. Segundo ele, o dono de uma funerária na região da serra paranaense fez uma festa para anunciar que o estabelecimento seria fechado, devido à falta de clientes após a construção das terceiras faixas.

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