Flexibilização da CLT vai ficar para o ano que vem

A reforma trabalhista não está entre as prioridades imediatas do ministro do Trabalho e Emprego, Jaques Wagner. Ele quer retirar do Senado o projeto de flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pretende apresentar uma nova proposta somente no fim do ano, pois o assunto precisa passar por um amplo debate no Fórum do Trabalho, a ser criado com patrões e empregados. Wagner elegeu o projeto do primeiro emprego para a juventude como o principal foco de suas atenções. Nesta entrevista, ele defende maior fiscalização das verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador e diz que não vetará investigações sobre o mau uso desses recursos no governo anterior.

O senhor é contra o projeto de flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho. O que pretende propor?

Jaques Wagner –

Queremos discutir as leis trabalhistas tendo como horizonte a geração de emprego e renda. Não tenho nenhum dogma de que as coisas sejam intocáveis, mas também não tenho dogma ao contrário, de que tem que rasgar a CLT, flexibilizar tudo, de que só assim é possível criar novos empregos. Até porque não há nenhum estudo científico que diga que a flexibilização é igual a geração de emprego. A flexibilização virou um terceiro tabu, após a privatização e a terceirização.

Por que o projeto do governo anterior é ruim?

Wagner –

O projeto foi aprovado na Câmara com voto contrário meu e do PT. Não concordo porque ele é uma parte, foi feito açodadamente e era, inclusive, um projeto para durar dois anos. Quero deixar claro o seguinte: o sinal do governo Lula não é da intocabilidade da legislação trabalhista. Reconhecemos que ela precisa ser atualizada, mas também não é do governo Lula a idéia de que você tem que tornar precárias as condições de trabalho, porque, só assim, você vai gerar empregos.

O senhor já falou com o presidente para retirar o projeto que está no Senado?

Wagner –

Sugeri que o projeto fosse retirado do Senado, a depender da conveniência do governo e da Casa Civil. O que posso dizer é o seguinte: não há interesse do governo que aquilo lá prospere como um elemento isolado.

Então como será a reforma trabalhista do governo?

Wagner –

O presidente Lula quer construir o novo contrato social no Brasil a partir do Fórum Nacional do Trabalho. Tudo que impacta nessa área, que tenha sido originado em outro momento, com outra concepção, não tem por que prosperar. Eu não vou fazer a discussão da relação de capital e trabalho com empresários e empregados com uma espada na cabeça de um e de outro. Aquele projeto poderá até ser rediscutido no Fórum, mas é ele que tem que fazer o arcabouço do novo contrato social.

Existe um prazo para que o fórum apresente essa proposta?

Wagner –

Não. Na verdade, eu prefiro gastar mais tempo negociando no fórum e, quando sair dali, aprovar rapidamente no Congresso a apressar o debate. Eu gostaria de apresentar a proposta até o fim deste ano.

Então essa reforma não sai este ano?

Wagner –

Minha agenda prioritária não é essa. É a agenda positiva da economia solidária (cooperativas, empresas familiares), é o “primeiro emprego para a juventude”, semelhante ao programa implantado no Sul pelo Olívio Dutra. Para isso, é preciso saber qual é o estoque de recursos que temos para começar a implementá-lo. Depois vamos decidir por onde ele começará. A prioridade é a erradicação do trabalho infantil, que foi elemento da discussão de sexta-feira com o presidente, e também o trabalho escravo.

O PT sempre foi contra a retirada de qualquer direito trabalhista. O que, então, pode ser flexibilizado?

Wagner –

Em vez de flexibilização, prefiro falar em rearranjo. Por exemplo, o décimo-terceiro. É melhor ser pago no fim do ano ou melhor estar distribuído na renda do trabalhador durante o ano? Isso pode ser discutido entre patrões e empregados. Com relação às férias, é possível ter um entendimento para os segmentos que têm sazonalidades. O problema é que, quando se fala em flexibilização, sempre se fala em retirada de direito, e eu acho que repensar ou atualizar a legislação trabalhista é adequá-la a outra realidade. Prefiro trabalhar com premiação de renúncia fiscal para quem esteja criando emprego a trabalhar com retirada de direito na expectativa de que isso vá gerar emprego. Ficar rebaixando as condições de trabalho é apostar no buraco.

Quais outras alternativas para a geração de emprego?

Wagner –

Na área de qualificação profissional temos iniciativas dispersas e superpostas em vários programas, o que resulta num desperdício de recursos. Se o foco para a geração de emprego for apenas a flexibilização, é capenga e errado.

Como será o programa do primeiro emprego?

Wagner –

Temos o modelo do Rio Grande do Sul, no qual o governo entrava com seis meses de salário do novo empregado, com o compromisso de a empresa mantê-lo por mais seis meses. Isso para deixar bem claro que não se tratava de substituição de empregados. E o resultado é que, em média, 70% de empregos novos ultrapassaram os seis meses. O ganho disso é um jovem incluído, treinado, preparado para o mercado de trabalho, e o aquecimento da economia.

Qual o prazo para pôr este programa em prática?

Wagner –

Eu pretendo fazer dois pilotos no primeiro ano. Esse seria o sonho. O primeiro emprego da juventude, além de ser um elemento de aquecimento da economia, tem um objetivo que o presidente tem muito claro. As áreas de esporte, de cultura, de educação têm que ter uma preocupação focada na juventude. Hoje a população brasileira masculina, de 18 a 24 anos, tem um gap negativo. É o jovem que está morrendo nas mãos da polícia, assassinado pelo crime organizado. O perfil desse jovem é o dos jovens em países em guerra.

Como o senhor vai otimizar as aplicações dos recursos do Fundo de Auxílio ao Trabalhador (FAT)?

Wagner –

O ministério quer ter o direito de estar em todo diálogo interno do governo sobre as linhas de financiamento (BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil). Há linhas de financiamento que dão maior retorno do ponto de vista de geração de emprego e renda e há outras que são investimentos que até tiram. É a chamada modernização. Essa é uma questão conceitual que vai ser debatida no novo governo. Quero participar da decisão da linha de investimento desses fundos. É um trabalho de equipe, mas os fundos são originados dos trabalhadores. O BNDES tem gente aqui e nós não temos representantes lá. Nós entendemos que a geração de emprego e renda tem que presidir as decisões das linhas de investimentos. Às vezes o BNDES aplica em áreas que não dão nenhum retorno.

Em quais projetos deveriam ser empregados os recursos das linhas de crédito abastecidas com recursos do FAT?

Wagner –

O BNDES poderá, por exemplo, ampliar o crédito para economia solidária, que são as cooperativas, microempresas, empresas familiares. Está correto o BNDES financiar com dinheiro do FAT empresas estrangeiras que querem comprar empresas nacionais e que depois vão remeter o lucro para fora do país? Será que, em vez de a Petrobras contratar estaleiros estrangeiros para construir plataformas, não seria mais próprio destinar uma linha do BNDES com recursos do FAT para ajudar estaleiros nacionais a se modernizarem para criação de empregos dentro do país? Vamos discutir tudo isso dentro da nova concepção de governo.

O que fazer para impedir novos desvios dos recursos do FAT?

Wagner –

É preciso um grau de controle maior na aplicação desses recursos. Pretendo criar novos sistemas de controle seguindo o exemplo dos Conselhos Municipais com o SUS (Sistema Único de Saúde).

E os desvios que já ocorreram? O senhor pretende fazer uma devassa no FAT?

Wagner –

Quanto ao que já ocorreu, auditar ou não será uma decisão do governo. Agora, é óbvio que o TCU já apontou problemas e o caminho normal da demanda do tribunal é encaminhar ao Ministério Público. Nós não vamos criar nenhum obstáculo para que as investigações que estejam em curso tenham andamento.

O ministério não vai promover uma ampla auditoria?

Wagner –

Lula pediu que tentássemos trabalhar com menos pirotecnia e mais eficiência. Não é o caso de bravatas. A determinação é de transparência. Prefiro não dizer que vou auditar, mas se tiver erro a gente não vai deixar perdurar. Os auditores fiscais dizem que às vezes vão fiscalizar trabalho escravo e infantil e, quando batem na porta de alguém que tem assento no Congresso, têm problemas. O governo Lula tem que estabelecer uma relação com o Congresso de parceria, mas não pode ser uma relação fisiológica.

O presidente Lula vai persistir na meta de criação de dez milhões de empregos?

Wagner –

O compromisso do presidente está mantido. Agora, é preciso entender que, quando se fala nessa meta, não significa, necessariamente, a geração de dez milhões de novos postos, mas incorporar ao mercado as pessoas que estão na informalidade. A economia solidária não vai gerar emprego, mas ocupação e renda.

O senhor defende a reforma sindical?

Wagner –

Sou defensor da liberdade e autonomia sindicais. Não é o governo que vai dizer como a sociedade civil se organiza. Esse é um debate que nós queremos induzir, mas não queremos determinar.

E a unicidade sindical?

Wagner –

O PT e uma parcela do movimento sindical, mais ligada ao PT, sempre defenderam a unidade sindical e não a unicidade sindical. A unidade sindical é uma decisão dos trabalhadores de se organizarem não em 12 mil sindicatos, como temos hoje no Brasil, mas em sindicatos que tenham peso para uma negociação maior. O sindicato ficará mais forte quanto mais poder de representação tiver.

O senhor é favor do imposto sindical?

Wagner –

Sou contra, mas não sei se é a opinião do governo. Eu quero fortalecer as representações dos segmentos da sociedade. É óbvio que o imposto sindical dá lugar a muito sindicato cartorial. Mas temos que discutir como será o financiamento das entidades sindicais. Não adianta tirar o imposto sindical, desestruturar tudo e não botar nada no lugar.

O governo vai apresentar algum projeto para reduzir a jornada de trabalho?

Wagner –

Sou amplamente favorável à redução da jornada de trabalho. Mas é uma discussão mais ampla. A relação capital-trabalho é um grande quebra-cabeça: ou você encaixa todas as peças ou fica consertando uma coisa aqui ou ali e não resolve nada. Posso mandar para o Congresso um projeto de redução da jornada de trabalho, mas se eu mando isso solteiramente, antes de fazer um debate entre empregadores e empregado, não resolve nada.

Como fazer para trazer para a formalidade milhões de brasileiros que estão no mercado informal?

Wagner –

Há experiências interessantes feitas aqui, como o condomínio de patrões na área rural. Essa é a criatividade que a gente pode ter. Na área urbana também há muita gente informal que sai saçaricando de patrão em patrão e nenhum deles legaliza. Foi uma saída para a área rural e nós temos que avaliar se há aplicabilidade em outros segmentos.

A CUT já sugeriu que as parcelas do seguro-desemprego sejam ampliadas. O que o senhor acha disso?

Wagner –

Vou discutir isso com a equipe de governo. Eu diria que prefiro ter uma política positiva, ativa, do que uma política passiva. O seguro-desemprego, assim como a bolsa-escola e tantos outros elementos, que são programas inclusive idealizados pelo PT, são programas de socorro social, mas não são programas impulsionadores. Na primeira reflexão, eu preferia investir em programas como o primeiro emprego para a juventude, o reemprego para quem tenha mais de 40 anos, que hoje tem dificuldades para voltar ao mercado de trabalho. Na verdade o problema da chamada política passiva é que você dá só mais um mês de sobrevivência, mas você não inverte

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