Desafio de Cancún será mudar o atual sistema

Cancún México  – Começou ontem mais um capítulo denso das relações internacionais, daqueles que certamente serão lembrados por várias décadas. A Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), que se estenderá até o próximo dia 14 em Cancún, no México, reúne representantes de 146 países e carrega a esperança de ser palco de significativas mudanças no comércio mundial. O desafio maior é encontrar uma equação, em que a soma não seja zero, entre países ricos e pobres.

Nesse processo não participam apenas burocratas com procuração de chefes de governo. Os holofotes em reuniões da OMC são democráticos. Tem instituições favoráveis à liberalização do comércio mundial. Participam organizações não-governamentais (ONGs) preocupadas com o efeito da globalização sobre o meio ambiente. Movimentos anarquistas contra qualquer tipo de associação comercial.

Entretanto, no meio desse turbilhão de cores, o que permeia a Conferência é uma das mais nítidas oportunidades de se reduzir, na prática, a diferença entre as nações pobres e ricas por intermédio das trocas comerciais.

O fracasso das conversas no México pode inviabilizar por um bom período o anseio de democratizar o intercâmbio de bens e serviços, que começou a ser desenhado no final da Segunda Guerra Mundial, com a criação do Acordo Geral de Tarifas de Comércio (GATT). Portanto, a flexibilização de posturas terá de ser uma das principais virtudes e instrumentos, na verdade, dos negociadores no México para que o comércio mundial possa prosperar de maneira mais equilibrada.

Centro das discussões

Para o Brasil, a agricultura está no centro da discussão do encontro ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). As leis de comércio internacional já arbitraram sobre os produtos industrializados, mas pouco se aprofundou sobre agricultura. Desta vez, os países em desenvolvimento, como o Brasil, pressionam para que sejam revistas as práticas desiguais como barreiras, subsídios e cotas nas importações e exportações.

A proposta dos países ricos atingiria em cheio o Brasil, que atualmente tem o maior superávit agrícola do mundo (as exportações ultrapassam as importações em U$ 16 bilhões, número que poderia ser ainda maior se não houvesse barreira tarifária nos países desenvolvidos).

G-21

Para defender a posição dos países em desenvolvimento e com o intuito de proteger suas próprias exportações, o Brasil conseguiu reunir, em um mesmo grupo, 21 países em situação semelhante: todos estão em desenvolvimento, mas exportadores agrícolas. Juntos, eles representam 65% da população mundial. O caçula no grupo é o Egito.

Na América Latina, apenas quatro países ficaram fora da aliança: as Guianas, o Suriname (que gozam de benefícios próprios de países da UE) e o Uruguai. África do Sul, Índia, China, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Filipinas, Guatemala, Paquistão, Tailândia e o anfitrião, o México, participam do grupo.

A posição do G-21 é a de que será preciso haver concessões por parte dos EUA, Canadá, UE e Japão. O presidente Lula e os ministros que estão em Cancún já estabeleceram: se o Brasil tiver de ceder, que seja nos prazos para que os subsídios e barreiras caiam. Os ministros brasileiros, contudo, não vão aceitar que fiquem como estão.

Confrontos deixaram um morto

Enquanto os Estados Unidos e a União Européia dão U$ 1 bilhão em subsídios ao dia, o Brasil dá R$ 1 bilhão (ou US$ 300 milhões) ao ano. Dados do Banco Mundial apontam que o total de gastos dos governos com subsídios em todo o mundo alcance US$ 300 bilhões anuais, isto é, quase metade de todas as riquezas produzidos no Brasil durante um ano.

Cerca de cinco mil pessoas fizeram uma passeata pacífica, ontem, pelas ruas do centro de Cancún, para protestar contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Convocados pela associação internacional Via Camponesa, agricultores mexicanos, sul-coreanos, europeus e americanos marchavam com cartazes com dizeres como “Não ao comércio” ou “Não à OMC” e ao som de tambores e gritos de “Zapata vive, a luta continua!”.

No final da tarde, os confrontos entre policiais e manifestantes ficaram violentos, deixando vários feridos e um morto.

Grupos de jovens com máscaras contra gás tentaram romper o cordão de isolamento dos policiais, que se estendia pelos 10 quilômetros do Centro de Convenções, obrigando a polícia a intervir para dispersar os manifestantes, usando inclusive bombas de gás lacrimogêneo.

O ativista que morreu, o coreano Lee Kyang Hae, tentou cometer haraquiri (uma forma japonesa de suicídio, que consiste em rasgar o ventre a faca ou a sabre) durante manifestação anti-OMC em Cancún, informou o diretor-geral da organização, Supachai Panichtpakdi.

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