Alca: radicalização dos EUA decepciona Brasil

A pouco mais de duas semanas da próxima reunião do Comitê de Negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) em Puebla, no México, já se percebe um certo clima de decepção nos corredores do Itamaraty. Afinal, ninguém esperava uma radicalização dos norte-americanos, que semana passada ameaçaram restringir seu mercado caso o Mercosul não aumente o grau de abertura nas áreas de serviços, compras governamentais, propriedade intelectual e investimentos.

Brasília (AG) – O projeto dos governos do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai (que ainda está de pé) sempre foi dar início às negociações do tipo 4 + 1 entre Mercosul e EUA e Mercosul e Canadá, assim que for concluída a reunião de Puebla e assinado o documento contendo um conjunto de obrigações comuns entre os 34 países do hemisfério que farão parte da Alca (com exceção de Cuba). Um confronto com os EUA neste momento poderia afetar esse plano, segundo uma fonte.

? Esperamos iniciar as negociações com os EUA em março. Não são só os americanos que querem fazer acordos bilaterais no continente. Nós também queremos, inclusive com eles ? disse o chefe da Divisão da Alca do Itamaraty, Tovar Nunes da Silva.

A reação do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao ultimato norte-americano, foi de surpresa:

? Nunca dissemos que não daríamos nada em serviços. O que não queremos é que sejam criadas regras diferentes das estabelecidas na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Assim como outros integrantes do governo brasileiro, o ministro disse não ter compreendido a razão do ultimato dos norte-americanos. Ele reiterou a posição do Brasil de procurar seguir as normas da OMC, quando entrarem em pauta temas sensíveis, como serviços, investimentos, compras governamentais e patentes.

? Vejam o acordo que os EUA fizeram com a América Central na área de serviços. Não nos interessa ? disse o chanceler brasileiro.

A reunião de março será a segunda parte do encontro, também realizado em Puebla, em que não houve consenso. O governo brasileiro já avisou que não vai ceder a qualquer ameaça dos norte-americanos e que brigará, com os demais sócios do Mercosul, pelo maior acesso ao mercado dos EUA, assim como a eliminação dos subsídios agrícolas e a redução do apoio doméstico aos produtores locais, sem que para isso tenham de abrir mão dos princípios estabelecidos pela OMC.

? Não aceitamos um ultimato como regra. Se for uma tática dos americanos e seus aliados, temos de nos defender da maneira que acharmos melhor. Não podemos forçar os EUA a darem o que eles não querem, mas também temos um mercado que tem seu valor ? diz Tovar.

Em um momento de confronto, entrarão em cena os co-presidentes da Alca: Peter Allgeier (EUA) e Adhemar Bahadian (Brasil) vão se reunir, antes de Puebla, em Buenos Aires, para pôr na mesa as propostas que os países negociam.

? Creio numa tentativa dos EUA e do Brasil de chegarem a um acordo, pois os dois países são os co-presidentes e não seria bom, politicamente, um fracasso agora ? diz Tovar.

Até a última reunião de Puebla, há duas semanas, EUA e Mercosul discutiam formas de neutralizar os efeitos dos subsídios agrícolas nas exportações e o apoio doméstico aos produtores locais. Os norte-americanos acenavam com o aumento das cotas de importação, mas o Mercosul exigia a redução de tarifas e outras concessões. Nas áreas de investimentos e compras governamentais, o Brasil concorda com maior transparência, mas não abre mão de seguir as regras da OMC, assim como no setor de patentes e serviços.

Novos negociadores

Ano decisivo para a Alca, também em 2004 serão eleitos, em novembro, o presidente dos EUA, toda sua Câmara dos Deputados e um terço dos senadores norte-americanos. As regras para o acordo serão tomadas pelos negociadores atuais, mas sua implementação terá de ser executada e aprovada por um novo Congresso e, dependendo do andamento da campanha presidencial dos EUA e do sucesso do Partido Democrata, de quem será o novo presidente do país.

Para o cientista político norte-americano David Fleisher, tradicionalmente muitos consideram que os democratas são mais protecionistas, mas nem sempre isso é verdade. Ele lembra que o ex-presidente Bill Clinton, democrata, conseguiu aprovar o Nafta (acordo de livre comércio da América do Norte), comprando briga com o Congresso.

? A troca de presidente e de partido abre janelas que deixam entrar novos ares e outros negociadores.

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