Agências reguladoras são dor-de-cabeça do governo

Brasília

  – O governo constatou que não basta apenas criticar as agências reguladoras, argumentando que essas instituições devem se limitar a fiscalizar e regular os setores aos quais estão vinculadas. Embora já esteja acertado que cabe ao Executivo estabelecer as diretrizes gerais dos setores, além de ditar políticas de preços, os novos ministros perceberam que seus ministérios estão completamente desaparelhados e que, por isso, desempenhar essas funções pode ser mais difícil do que se pensou inicialmente.

Desde que assumiu, o novo governo colocou as agências reguladoras na berlinda. As mais expostas são as do setor petrolífero (ANP), dirigida pelo embaixador Sebastião do Rêgo Barros; de energia (Aneel), comandada por José Mário Abdo, e a de telecomunicações (Anatel), presidida por Luiz Guilherme Schymura de Oliveira. No entanto, já existe agora nos ministérios ligados a esses setores a percepção de que as decisões políticas devem ter a participação das agências, devido principalmente à falta de técnicos especializados.

Ao mesmo tempo, a falta de políticas delineadas pelo Executivo também atrapalha as agências reguladoras, admitem integrantes graduados do governo e das próprias instituições. Dentro das agências, também são comuns as queixas relativas aos cortes orçamentários decorrentes do forte ajuste fiscal e à falta de pessoal.

A ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, afirma que é preciso reestruturar a pasta e recuperar os instrumentos de governo.

? As condições gerenciais e de fazer política foram esterilizadas ? disse ela.

Dilma confirma que quase não há técnicos de carreira, nem especialistas nas áreas de energia e petróleo no ministério. E destaca que, já na época do racionamento, o governo Fernando Henrique Cardoso havia reconhecido esse problema.

? Estamos trocando a roda com o carro andando. Não há macaco, o pneu não é de boa qualidade e está furado ? disse a ministra.

Dilma diz que a relação de seu ministério com a Aneel é profissional e respeitosa. Para ela, as agências não devem acabar.

? Porque elas podem ter um papel relevante de fiscalizar e regular. Só.

Na Anatel, acredita-se que, depois da morte do ministro Sérgio Motta, nenhum outro sucessor se preocupou em elaborar uma política para o setor. Por isso, a agência foi assumindo certas atribuições que não eram as suas.

Um técnico da Anatel, citando os sucessores de Motta, afirmou que Mendonça de Barros estava preocupado com a privatização da Telebrás e Pimenta da Veiga deu prioridade ao lançamento, para consulta pública, do projeto de Lei de Comunicação Eletrônica de Massa. Já Juarez Quadros, que ficou menos de um ano no cargo, foi quem mais se empenhou, na opinião do técnico, ao traçar uma política industrial para o setor.

Recentemente, num almoço com líderes partidários no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou duramente o que chamou de excessiva autonomia das agências reguladoras e afirmou que só fica sabendo dos reajustes pelos jornais.

? O que nós encontramos foi que a administração direta renunciou a prerrogativas legais em favor da Anatel ? disse o ministro das Comunicações, Miro Teixeira.

A situação da Aneel, na avaliação de um técnico do governo, é mais dramática do que a dos outros órgãos reguladores. Ele lembrou que enquanto a Anatel foi criada com um marco regulatório próprio, a Aneel surgiu num momento em que havia apenas a lei de concessões do setor elétrico.

O líder do PSDB no Senado, Artur Virgílio (AM), apresentou na última quinta-feita um projeto de lei determinando que as agências reguladoras prestem contas periodicamente ao Legislativo. Segundo ele, a idéia é criar um tipo de fiscalização ou controle externo das atividades das instituições. Para o deputado Gilberto Kassab (PFL-SP), as agências reguladoras devem ser aperfeiçoadas, mas elas vieram para ficar. Já o deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP) defende uma ampla discussão sobre o papel dessas instituições.

? A Petrobras está sob controle do presidente da República. Então, não me venha com desculpas de que a responsabilidade pelos aumentos é das agências ? disse o senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL.

No entender do deputado João Batista Babá (PT-MA), as agências reguladoras não podem ter independência que ultrapasse a do presidente da República.

Diferenças e semelhanças

As agências reguladoras das áreas de energia elétrica, petróleo e gás ? o chamado setor energético ? têm características bem diversas em outros países. Em alguns, como os Estados Unidos, elas têm muita força. Em outros casos, como na Bélgica, são subordinadas a algum ministério. No entanto, todas têm em comum a atribuição de regular, fixar tarifas e fiscalizar o setor energético. Outra característica em comum é que todas, sem exceção, seguem as diretrizes gerais da política energética de seus governos. Países como a Alemanha e o Japão, contudo, não têm agências reguladoras.

Essas conclusões estão no estudo “Desenhos Institucionais de Regulação de Energia”, realizado em 25 países. O objetivo foi avaliar os papéis dos órgãos reguladores, ministérios e as instituições de defesa da concorrência no setor energético. O estudo foi coordenado pelo professor Helder Queiroz, do Grupo de Economia da Energia, do Instituto de Economia da UFRJ.

O professor explicou que nos Estados Unidos e no Canadá, as agências além de serem órgãos reguladores, executam tarefas do Executivo, Legislativo e do Judiciário.

? A decisão judiciária, que é o traço mais característico desses órgãos nesses dois países, permite por exemplo que um órgão estadual possa mandar uma empresa alienar uma parte de seus ativos, por estar muito concentrada naquele mercado ? disse Queiroz.

Helder Queiroz destacou que nenhuma agência nos países pesquisados é independente, porque de uma forma ou outra, têm que prestar contas ao governo federal ou estadual, seguindo as diretrizes para o setor. Segundo ele, todos os outros países se inspiraram no modelo americano, embora nem todos os órgãos tenham funções dos três poderes.

? Os órgãos reguladores criados em outros países nos últimos anos se inspiraram no modelo americano. No entanto, em muitos casos suas tarefas são mais difíceis porque têm que regular uma estrutura de mercado mais complexa, com um número maior de empresas participantes ? disse Queiroz.

O professor da UFRJ explicou que nos outros países os órgãos reguladores também fixam as tarifas dos serviços prestados pelas empresas. No entanto, ele lembra que lá fora as questões macroeconômicas, como o impacto na inflação, pesam muito menos do que no Brasil.

? O nosso dilema é a relação entre as questões setoriais e os problemas macroeconômicos ? afirmou.

Em todos os países pesquisados, independente do grau de autonomia que as agências têm, elas seguem as diretrizes da política macroeconômica dos governos federais para quem prestam contas.

O problema que está ocorrendo no Brasil, segundo ele, é que a lei que criou as agências determina que elas seriam aplicadoras da política energética. Só que quando foram criadas, em fins da década de 90, o governo deixou de formular as políticas para o setor.

? Elas foram aos poucos tomando decisões políticas, porque o governo não fazia. O grande problema delas é que começaram a operar sem ter uma orientação de política. Agora o novo governo está retomando seu papel de definidor de política ? observou.

Queiroz disse que os ministérios e órgãos reguladores têm instituições específicas para cuidar de um setor como o de energia. Ele acha contudo que as duais instituições governamentais devem trabalhar de forma afinada.

? Não consigo imaginar duas instituições governamentais trabalhando no mesmo setor sem dialogar. Se não houver uma coordenação das ações, vai ocorrer muita confusão. Não tem sentido a agência ir para um lado e o ministério para o outro ? disse.

O professor acha também que o Brasil precisa ainda fortalecer os órgãos da defesa da concorrência, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Secretaria de Defesa Econômica(SDE), ambos do Ministério da Justiça.

Voltar ao topo