Acordo não evita perdas aquisitivas dos aposentados

Os reajustes aplicados à aposentadoria estão cada vez mais distantes dos aumentos promovidos no salário mínimo. A ponto de especialistas já apontarem uma tendência de que, em um futuro próximo, todos os aposentados estejam recebendo o piso salarial vigente no País, independentemente do tempo e valores contribuídos durante a vida profissional. O fenômeno vem causando angústia entre os aposentados e os que estão em vias de se aposentar, devido à perda do poder de compra.

Em 2010, a diferença pode aumentar um pouco mais. Isso porque, enquanto se prevê a aplicação, nas aposentadorias, das regras atuais para reajuste do mínimo, estas, por suas vez, também podem mudar no ano que vem.

Assim, enquanto se projeta um reajuste próximo a 9% para o mínimo, as aposentadorias devem ser aumentadas entre 6% e 6,5%. Uma defasagem menor, por exemplo, que a deste ano, quando o salário mais baixo que pode ser pago no Brasil passou por aumento de 12,05%, enquanto os aposentados tiveram reajuste de 5,32%.

Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), a advogada Melissa Folmann, o uso de indexadores diferentes para reajustar os benefícios previdenciários e o salário mínimo já provocou uma perda de até 60% do valor original das aposentadorias.

“Em alguns anos a diferença entre os reajustes chegou a estar entre 20% e 30%”, aponta. “As atualizações são de acordo com a inflação, mas se usa o “cálculo de gabinete'”, explica.

Pelo acordo fechado esta semana entre o governo e centrais sindicais, o reajuste dos aposentados que recebem mais que o salário mínimo, em 2010, serão equivalentes à inflação do período, mais 50% da alta do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos atrás.

Em 2010, no caso, o cálculo será feito com base no PIB de 2008. Se as previsões de inflação se mantiverem, o aumento real dos aposentados seria de 2,6%. Contudo, os próprios índices de inflação são questionados por Folmann.

“A inflação calculada pelo governo e a que acontece nas prateleiras dos supermercados já são diferentes”, afirma. Some-se a isso o perfil de gastos do aposentado, que envolve mais remédios, um plano de saúde mais caro e, muitas vezes, a obrigação de ainda sustentar filhos que iniciam a vida profissional cada vez mais tarde, e a perda real pode ser ainda maior, lembra a advogada.

Mínimo

A especialista confirma a tendência que diversas centrais sindicais e outros estudiosos já vêm apontando: “Se continuar essa diferença entre os reajustes, daqui a pouco todas as pessoas vão receber um salário mínimo como aposentadoria”, prevê.

Isso, lembra ela, gera desmotivação entre as pessoas que ganham além do piso. “Um salário mínimo alto beneficia apenas a população que ganha o salário mínimo”, afirma Folmann.

Segundo Folmann, isso tem gerado até decisões mais drásticas, de pessoas que ou decidem deixar de contribuir para a Previdência Social, ou desistem da própria aposentadoria, já que a perda é, em grande parte dos casos, significativa. “As pessoas contribuem esperando que a aposentadoria mantenha o padrão atual, mas não é isso o que acontece”, critica.

A diferenciação dos reajustes do salário mínimo em relação a outros aumentos de salários também gera fenômenos curiosos, para Folmann. “Por exemplo, um pai divorciado que paga pensão ao filho e fixou em salários mínimos certamente se arrepende disso, pois o seu salário certamente aumentou bem menos que o mínimo”, observa.

Mas as perdas dos aposentados em relação ao salário mínimo podem mostrar também um outro lado: o piso salarial no Brasil é cada vez mais alto em relação ao que se paga, em geral, no mercado de trabalho.

Mesmo assim, como o piso ainda não é considerado suficiente para atingir todas as necessidades previstas no artigo 7º da Constituição Federal, a aproximação deste com os salários médios pode esconder um achatamento dos outros salários.

Só a cesta básica necessária para alimentaç&atilde,;o de uma pessoa custava, em julho, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), R$ 206,71 em Curitiba.

O salário mínimo necessário, segundo o mesmo Dieese, deveria ser R$ 1.994,82, considerando gastos com necessidades vitais básicas de uma família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte.

Quem já se aposentou não poderá se adaptar à nova lei

As mudanças nas regras das aposentadorias, definidas esta semana, não atingiram apenas o cálculo dos reajustes do benefício. O acordo entre o governo e centrais sindicais também prevê a flexibilização do fator previdenciário.

A nova regra, chamada “85-95”, prevê a soma da idade com o tempo de contribuição à Previdência para a concessão da aposentadoria. O total de 85 é para as mulheres e, de 95, para os homens.

Mas a reforma, que já vinha sendo prevista há anos, pode estar gerando expectativas perigosas nas pessoas que se já aposentaram sob as regras atuais do fator previdenciário.

Incentivadas por notícias nem sempre bem intencionadas, elas acreditam na possibilidade de revisão de suas aposentadorias para adaptação às novas regras, mais vantajosas.

No entanto, de acordo com estudos do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), a situação de quem já se aposentou com o fator não seria alterada, mesmo com ação judicial.

Para chegar a essa conclusão, o IBDP estudou decisões judiciais sobre a aplicação de leis benéficas para benefícios já concedidos. “Percebemos que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem decidido que a lei que rege a aposentadoria é a do momento em que foram preenchidos os requisitos para a concessão. Assim, a tendência é que o STF não faça nenhuma revisão”, conclui a presidente do Instituto, Melissa Folmann.

Com base no estudo, Folmann alerta aos aposentados que não se empolguem muito com notícias que vêm sendo veiculadas e informam que eles terão direito a revisar seus benefícios.

Ela diz que membros do Instituto até já encontraram folders, distribuídos em São Paulo, convocando aposentados a ingressarem em ações coletivas pedindo a revisão, com base na nova lei que ainda nem foi sancionada.

A especialista acredita que não deve demorar para que materiais como esses sejam encontrados nas ruas de Curitiba, e lembra que pedir a revisão será possível. Mas alerta: “O direito não é líquido e certo. O STF já julgou situações parecidas com essa, e concluiu que não cabe revisão nessas situações.” Segundo ela, se tudo caminhar normalmente, a nova lei será aprovada em setembro.