É brabo, mesmo!

Um sem-fim de reuniões de gente graúda, discursos, conversas, articulações, uma montanha de cálculos, outra de entrevistas, adrenalina nas críticas e na defesa… eis aí o novo salário mínimo – o primeiro decretado pelo PT sem a sombra da antecedência, sem a desculpa do orçamento feito pelos outros: R$ 260, míseros vinte reais a mais que o anterior. Obra do presidente Lula, anunciou-o o ministro Ricardo Berzoini, do Trabalho, já anteriormente indisposto com os velhinhos aposentados, apontados diretamente e outra vez como a grande causa desse quase empate técnico com a inflação.

O governo queria dar mais, está certo, acreditemos que não custa. Mas não foi possível. O próprio presidente desejava ardentemente alcançar um patamar maior – disse Berzoini, sério, solene e seco -, mas essa é uma definição de governo. Tentou livrar sua própria cara (“com certeza, todo ministro do Trabalho vai querer um pouco mais”) e arriscou uma justificativa geral do clima no Planalto que, na planície, pouco ou nada conta: “Não há frustração nem satisfação com essa decisão”. Anódino. O negócio é “olhar para a execução orçamentária”. Aquela da União, é claro. Mas, e a nossa?

Num misto de desconforto e visível constrangimento, o próprio presidente Lula, poupado da condição de transmissor da má notícia, teria desabafado de soslaio: “É brabo a gente ter de fazer uma coisa dessa. É ruim para todos nós”. Logo ele que dizia sempre que tudo era uma questão de vontade política. Por qual motivo faltou-lhe a vontade agora? “Se dependesse só da minha vontade, vocês sabem que o reajuste seria maior, mas não podemos comprometer o esforço para o ajuste, em um momento delicado como este.” Sabemos, sim, presidente, mas não estamos conformados, responderam aos milhões com seus botões os brasileiros de norte a sul.

Sim, concordamos, é mesmo brabo! A começar pelos partidos aliados e pelo próprio PT, já se anuncia uma frente para mudar a medida provisória com a qual Lula decepcionou seus descamisados. Na CUT, fizeram as contas e chegaram à conclusão que nesse ritmo o valor do salário mínimo somente será dobrado ao longo de 50 anos. Ainda se não houver alquimias ou matemágicas como essa que dá uma vantagem sobre a inflação de 2,5% para o novo salário decretado. Lula, como se sabe, prometeu de pés juntos antes da eleição dobrar o valor do mínimo no curso dos quatro anos de mandato. Como se diz, nem que a vaca tussa ele terá 50 anos de mandato…

Na Conferência dos Bispos do Brasil, reunida para a 42.ª Assembléia Geral em Indaiatuba, o presidente da entidade, dom Geraldo Majella Agnelo, foi curto e grosso: “O assalariado não ganha nada, quem ganha são os credores do Brasil, que são beneficiados pelos juros e pelos prazos no pagamento das dívidas, enquanto o povo sofre com a fome, a miséria e a falta de saúde”. Também na Ordem dos Advogados do Brasil, o presidente Roberto Busato outra vez alinhavou críticas, assinalando que o Brasil tem um dos piores índices de distribuição de renda da América Latina. “Não é com esse salário mínimo que o País vai entrar no primeiro mundo, porque não se consegue fazer isso com uma população de excluídos”, disse Busato. Assim, estamos fora do trem da história.

No Congresso Nacional, a oposição leva na esportiva. Um bolo em duas partes, lembra a Lula que um terço de seu mandato já se foi e ninguém comeu esta parte do bolo. Sobre o pedaço do bolo de dois terços, uma inscrição: “Precisa começar”. Como? Com as greves? Na Polícia Federal, agentes amotinados reagem ao corte no ponto. Queriam grandes aumentos, recebem grandes descontos. O mesmo precisa acontecer com fiscais da Receita e com funcionários da Previdência, que não têm consciência do sofrimento que causam aos beneficiários a cada paralisação. De fato, se a coisa está ruça para uns, deve estar para todos. Vaias e protestos começam a fazer parte da rotina do governo que um dia imaginou ser o marco zero de quase tudo. José Dirceu, o capitão do time, já deixa escapar que sonha voltar para o Congresso…

Quase ingenuamente, o presidente Lula disse outro dia que não imaginava ser tão difícil governar. Tinha a vontade, faltava-lhe a experiência que, aos poucos, vai adquirindo. Até o próximo salário mínimo. Ou até qualquer hora.

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