Guilherme Tomizawa

Divórcio eletrônico. Avanço ou retrocesso legislativo?

Está em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei n.º 464/2008, de autoria da senadora Patrícia Saboya (PDT – CE) aprovado em caráter terminativo no início de setembro de 2009 pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, que autoriza a feitura do divórcio por meio eletrônico que valerá nos casos dos casais sem filhos menores ou incapazes que pretendam se separar em comum acordo. Na petição que for encaminhada à um juiz eletronicamente deverá constar informações sobre descrição e partilha de bens comuns, pensão alimentícia e alterações de sobrenomes, se for o caso. O advogado deverá obrigatoriamente ter a nova cédula de identidade da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), contendo o chip para validar sua certificação digital, junto com equipamento de alto custo, tais como um computador, scanner, softwares específicos, etc. Apesar das evoluções tecnológicas que passamos na entrada do século XXI temos que realmente refletir se tais ferramentas e promulgações de leis são benéficas e úteis à toda sociedade. Outrossim, a velocidade, o baixo custo (dispensa de papel) e o fato não ter que afrontar ou sequer olhar no rosto do futuro ex-cônjuge são fatores louváveis que devem ser levados em consideração.

Todavia existem certas ponderações que devemos nos ater. Primeiro com relação a sua necessidade legislativa. Tal projeto de per si não traz nenhuma novidade em seu bojo, já que somente se refere aos pedidos de separação e divórcio por meio eletrônico, que não envolvam menores ou incapazes, sem necessidade de uma audiência, resultando numa inserção inócua e superficial em seu conteúdo, já que a lei n.º 11.441/07 já previa o mesmo fim, com exceção do meio eletrônico. Ademais, a lei n.º 11.419/06 (que regula a informatização do processo eletrônico) trata dos processos civil, penal e trabalhista indistintamente, em qualquer grau de jurisdição, inclusive nos Juizados Especiais. Segundo, que pode dar azo pela falta de transparência a muitas fraudes entre cônjuges, e.g. um casal que possua uma empresa vislumbrando um inevitável estado de falência, tudo isso devido a alta velocidade, em tese, que as decisões via Internet procederão, sem a devida fiscalização de um membro do Ministério Público. Terceiro, que estaria beneficiando uma minoria de advogados habilitados com certificação digital e com equipamento tecnológico (custoso), uma vez que existem, data vênia, resistência de alguns causídicos que utilizam até hoje a máquina de escrever, criando uma verdadeira reserva de mercado à categoria profissional, indo de encontro à uma idéia de inclusão digital laboral, isso que a concepção inicial e absurda do projeto segundo a própria senadora visava a não participação de advogados nesse processo. Quarto, que devido a rapidez e a menor complexidade do processo via eletrônica reduziria consideravelmente o valor dos honorários da classe, ou ao menos a sensação do cumprimento do mesmo perante à sociedade. E quinto, mas não menos importante, que estaríamos cada vez mais banalizando e desumanizando os institutos do divórcio e do casamento, que possuem outros valores conjugados em sua essência.

Cabe ainda trazer a lume, que os tribunais deveriam estar tecnologicamente equipados para que tal desiderato fosse atingido, já que inexiste uma obrigatoriedade dos mesmos estarem adequados a uma implantação de sistema de processamento digital. De outra forma, tal tramitação processual eletrônica não poderia vingar diante da indisponibilidade de recursos tecnológicos. Ainda é um longo caminho…

Isso sem contar que a promulgação do presente PL poderia ser interpretado como inconstitucional, dando ensejo ao ajuizamento de ADINS pelos órgãos de classe competente, caso fosse realmente dispensável a presença do advogado no feito, visando “baratear” os custos, ofendendo o dispositivo 133 da nossa Carta Magna de 1988, ao contrário da valorização desse profissional (leia-se “administrador judicial”) com a vigência da Lei n.º 11.441/07, tratando o mesmo como figura imprescindível ao deslinde do processo.

Só para termos uma noção da evolução das leis relativas ao divórcio no nosso país, trazemos a baila um fenômeno raramente ocorrido e até certo ponto conflitante em nossos tribunais e cartórios, foi o exemplo da cidade de Apucarana no Estado do Paraná que registrou um declínio no índice de divórcios e separações na cidade com o advento da Lei n.º 11.441/07. Dos 345 casos registrados em 2007, caiu para 262 em 2008, uma redução de 24%, evidenciando que velocidade e baixo custo não são uma preponderante em nossa sociedade hodierna(1).

A propositura do presente PL em comento, ganhou força com o advento da Lei n.º 11.441/07 que tratava das separações, divórcios e inventários por cartórios autorizando sua feitura extrajudicial em poucas horas. Agora a nova modalidade via eletrônica, vem querer inserir um novo dispositivo (1124-B) no atual art. 1124 da Lei n.º 5.869 de 11 de janeiro de 1973 (que regula o atual Código de Processo Civil).

Seguindo essa linha de evolução (ou seria retrocesso?) a inexorabilidade da tecnologia vai chegar a certo ponto em que o indivíduo vai “casar de manhã e separar à noite via celular” só por que enfrentou um “rush” na ida e volta do trabalho e teve uma discussão acalorada com o seu patrão. Não queremos de maneira alguma expender um juízo de valor contrário ao avanço da tecnologia e da conquistas da modernidade, entretanto, devemos repensar se o ser humano está preparado para usufruir de tais benesses e modalidades tecnológicas de forma ponderada.

Nota:

(1) Fonte: IBGE/2009 

Guilherme Tomizawa é advogado e professor de Direito Civil da OPET. Especialista em Direito de Família pela PUC – PR. Mestre em Direito pela UGF – RJ e membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico. Publicou em 2008 o livro “A invasão de privacidade através da Internet” pela JM Livraria Jurídica.

gtadvocacia @hotmail.com

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