Deveres de docência

Tive e tenho alunos para quem a sala de aula é doação, dedicação e medicina. Entendem o magistério como saída honrosa para a desonrosa ignorância, preguiça mental e descrédito na educação, manifestos pela sociedade em geral. Também tenho e tive alunos limitados à aparência de cultura dos textos apostilados, ao conformismo de um repertório mínimo de leituras superficiais, demonstrando indiferença pela profissão que, quando mal começa, começa mal. Mesmo jurando jamais pisar numa sala de aula, são os primeiros a aceitar ?algumas aulinhas?, espécie de carta de fiança para o crédito da vida própria, mas aquém de suas necessidades, urgentes e imperiosas, e da ambição maior: a de não ser professor. São os que justificam a desvalorização social da profissão. Com eles, a escola se transforma em ?bico?, em solução passageira.

Não devo, contudo, lançar toda a responsabilidade pela decadência do ensino sobre os ombros dessa parte mais mesquinha do professorado, a quem, muitas vezes, vi conversar sobre assuntos alheios e dormir em cursos de capacitação e palestras com intelectuais e mestres de reputada e merecida competência; de quem ouvi reclamações de falta de estímulo governamental para justificar a ausência de auto-motivação. Um grupo de profissionais do desânimo a minar nos colegas a vontade de contribuir para melhorar o estado indigente da escola brasileira.

A avaliação da mais recente Prova Brasil apoiou-se em critérios que, também eles históricos e imperfeitos, podem induzir a resultados e inferências distorcidas. No entanto, a série continuada de avaliações depreciativas do ensino básico brasileiro (mal ultrapassam a metade da escala de 0 a 100) nos obriga a pensar o quanto precisamos investir na qualidade do conhecimento lecionado, a fim de transformar a escola num lugar de ciência, interpretação crítica, arte e vida com dignidade.

Quem já avaliou o produto dessa escola de fantasia, seja na vida cotidiana seja na Universidade, viveu a sensação indignada de pasmo e descrença ao reconhecer o olhar vago, os movimentos do não, a impotência dos jovens diante de perguntas básicas sobre um conhecimento que não adquiriram nos livros e no ensino básico. O exercício diário de crença na virada qualitativa da escola brasileira custa muita energia psíquica e emocional aos professores de boa vontade. A sensação de energia desviada para o abismo do desperdício, a busca intensa de ajuda para combater o desânimo e prosseguir na batalha são atitudes heróicas. Não o heroísmo de fancaria dos usineiros, segundo o governo federal, mas aquele que a sociedade procura abafar e menosprezar. Brecht tinha razão, em A vida de Galileu, ao se referir à infelicidade da terra que precisa de heróis. Mais infeliz ainda é o País querer fazer do heroísmo sinônimo de aumento de divisas, sem dignificar o humano e sem valorizar o que permanece no indivíduo: a educação para a vida comunitária e para a realização pessoal. A educação capaz de construir cidadãos e não números para estatísticas e votos de cabresto.

Voltar ao topo