Desvios e estradas

Numa das raras vezes em que compareceu aos debates de finais de campanha, como candidato à Presidência da República, Lula foi alvo de uma cilada. Um dos candidatos adversários, certo de que Lula não estava bem informado, fez-lhe uma pergunta sobre a Cide – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. O então candidato do PT esboçou uma resposta, mas ficou evidente que estava por fora. Não sabia o que era a Cide. Aliás, pouquíssimos brasileiros sabem, ainda hoje, embora paguem esse imposto. Como se não bastasse o alto preço dos combustíveis, sempre que um veículo é abastecido nos postos, o motorista paga mais R$ 0,28 por litro. É a Cide. A contribuição, que é compulsória, está embutida no preço, como ocorre com todos os impostos que são cobrados no Brasil. Assim, não se forma uma consciência de quanto se está entregando ao governo. E no caso dos combustíveis há ainda outros impostos. Se fossem destacados, os donos de postos seriam menos xingados. O mesmo se pode dizer dos tributos cobrados em outras compras, inclusive de comida. Sempre há uma enorme fatia que vai para os governos federal e estaduais.

Cálculos feitos pela ONG Contas Abertas levaram à conclusão de que, ao mandar encher o tanque de um carro popular, o motorista paga nada menos de R$ 14 reais de Cide.

Criada em dezembro de 2001, a contribuição, geralmente ignorada, mas sempre cobrada, já levou para os cofres do governo R$ 43,3 bilhões. Esse dinheiro deveria ser aplicado na melhoria das rodovias federais, no financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás, e para o pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e de derivados de petróleo. Mas as estradas estão em estado de calamidade, intransitáveis ou cheias de buracos que levam a acidentes muitas vezes fatais. Isso, para não falar nos prejuízos que esse caos causa ao desenvolvimento do País. Também temos sérios problemas ambientais e gravíssimos no que se refere ao gás natural, pois utilizamos largamente o boliviano e somos reféns do nacionalismo irracional ou da demagogia populista do governo daquele país vizinho.

Denuncia-se que, do total arrecadado, apenas R$ 25,8 bilhões (60%) foram aplicados em melhorias. Segundo a Confederação Nacional dos Transportes, apenas R$ 17 bilhões contribuíram para o setor. Cerca de 20% da arrecadação foi redirecionada através do mecanismo da DRU (Desvinculação das Receitas da União). Além disso, mais R$ 9,6 bilhões ficaram parados em caixa para que o governo pudesse exibir um maior superávit no fim do ano.

Neste ano de 2007, a Cide já gerou R$ 3,9 bilhões para os cofres do governo federal. Mas só R$ 2,7 bilhões foram realmente aplicados. A verba tem sido utilizada para diversas outras finalidades, inclusive compra de material de cozinha, de limpeza, aquisição de imóveis, diárias e passagens para funcionários do governo. Salvou uma parcela da contribuição a determinação do Supremo Tribunal Federal que mandou aplicar os recursos em suas finalidades precípuas, proibindo os desvios de finalidades.

O que ocorre com a Cide é mais uma razão para que o Congresso vote legislação já proposta, determinando que os impostos e taxas sejam destacados dos preços das mercadorias. Isso já ocorre nos países mais adiantados. O ideal é que, quando a gente manda pôr combustível no tanque do veículo, compra feijão e arroz ou um televisor, em tudo seja claramente especificado o que é preço e o que é imposto. E, assim, tenhamos consciência de quanto entregamos ao governo e quanto ele nos sonega em infra-estrutura e serviços, como conservação de estradas, atendimento à saúde, segurança e tudo o mais que no Brasil não funciona ou funciona mal.

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