Desce o pano

Acabou-se. O 12.º Festival de Teatro de Curitiba, que inebriou milhares de nativos e visitantes nos últimos dez dias, deu seu último suspiro anteontem, ao som dos aplausos à estréia nacional do Fausto de Gabriel Braga Nunes e sua Péssima Companhia de Teatro, que teve sessão extra às 23h, no Teatro Paiol.

Se não foi inesquecível, foi um final digno. O espetáculo dirigido por Moacir Chaves vai na contramão da grandiloqüência da obra-prima de Johann Wolfgang Goethe: o cenário limita-se a meia dúzia de cadeiras, e toda a história é “sugerida” pelos atores. Gabriel fez um Fausto correto, mas quem brilhou na peça foram o impagável Mefistófoles de Fernando Eiras e o discípulo Wagner, interpretado por Alberto Magalhães.

O público (100 mil pessoas, nas contas da organização) correspondeu às expectativas. Mas a qualidade dos espetáculos, na maioria das vezes, deixou a desejar. Das mais de 170 peças, só a portentosa Os Sete Afluentes do Rio Ota, brilhante adaptação da cineasta Monique Gardenberg para o clássico de Robert Lepage, foi de tirar o fôlego. Não fosse o desconforto físico, suas cinco horas de duração nem seriam sentidas.

Ainda na Mostra Contemporânea, os paulistas da Cia. do Feijão também agradaram com Mire Veja, sobre o cotidiano frenético de São Paulo. E os londrinenses do Grupo Armazém, radicados no Rio, colheram elogios por Pessoas Invisíveis, montagem inspirada no universo do cartunista americano Will Eisner. E é preciso mencionar a valentia dos quatro atores da Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes, que na abertura encararam goteiras, raios e trovões numa Ópera de Arame fantasmagórica.

Já os “medalhões” decepcionaram. A adaptação de José Sanchis Sinisterra para Memorial do Convento, de José Saramago, com direção de Christiane Jatahy, foi pouco inspirada. Walderez de Barros, impecável, praticamente carregou nas costas a versão de Gabriel Vilella para A Ponte e A Água de Piscina, de Alcides Nogueira. Os Parlapatões de Hugo Possolo se deixaram levar pelo besteirol insosso em As Nuvens e/ou Um Deus Chamado Dinheiro. E a festejada encenação do clássico de Eugene O?Neill Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro, com direção de Naum Alves de Souza, acabou “devorada” pelo gigantismo do Guairão, que impediu o público de ver de perto a aula de interpretação de Cleyde Yáconis como a morfinômana Mary.

Se a Mostra Oficial não foi lá essas coisas, imagine o Fringe. Na opinião de jornalistas e críticos de todo o Brasil, o melhor espetáculo foi o curitibano Volta ao Dia…, texto de Marcio Abreu, inspirado na obra de Julio Cortázar, com atuações convincentes de Christiane Macedo e Maureen Miranda. O nostálgico Interior, com o Teatro da USP e o cinematográfico O Homem Que Não Dava Seta, com os mineiros do Galpão, também caíram nas graças do público. E só.

Mas o calcanhar-de-aquiles do Festival de Teatro é mesmo a “tradição”. A tradição infeliz de fazer a abertura na Ópera de Arame, e o tradicional provincianismo de acomodar os clássicos no Guairão mesmo os mais intimistas, como Longa Jornada… o que acaba “matando” boas montagens. Mas dura de engolir é a hipocrisia do público, que esbraveja (ou ronca) durante encenações que depois são aplaudidas de pé.

Luigi Poniwass

(luigi@pron.com.br) é repórter do Almanaque em O Estado.

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