Denúncia preventiva

Bem mais que a metade (62%) das obras públicas do governo federal em andamento apresentam irregularidades ou falhas, segundo divulga o Tribunal de Contas da União. Esse índice, embora um pouco mais baixo que o verificado no ano passado, é ainda muito alto e demonstra ? mais que a má-fé – o despreparo de órgãos e instituições na gestão e execução da coisa pública. As irregularidades nos 435 projetos fiscalizados pelo TCU nos últimos cinco meses, segundo se anuncia, vão desde o conhecido superfaturamento até pequenas falhas na licitação ou alterações indevidas no projeto original.

Cada uma das auditorias realizadas vai se transformar num processo. O TCU convocará os administradores responsáveis para explicações e justificativas, enquanto o Congresso deverá prever em reserva especial as verbas orçamentárias para as obras que apresentam problemas. Os recursos previstos somente serão liberados depois de sanadas as irregularidades ou, conforme o caso, o tribunal concluir pela improcedência das suspeitas. No caso de irregularidades graves, os administradores responsáveis podem ser condenados à devolução da verba gasta irregularmente e multas. Dos 435 projetos auditados, apenas 162 estão em ordem.

Essa é uma rotina que acontece todos os anos. A novidade é a forma como estão sendo vistas as admoestações do Tribunal de Contas. Como se recorda, também o projeto de construção do Fórum trabalhista de São Paulo, sob a presidência do juiz Nicolau dos Santos Neto, continha evidências de irregularidades, que foram desprezadas na hora da liberação de mais verbas. E a liberação indevida das verbas garantiu a Lalau o título de procurado número um entre os corruptos brasileiros. O desvio foi de R$ 196 milhões. Infelizmente, ninguém dos que desprezaram os tais indícios foram responsabilizados, mas os cuidados agora são um pouco maiores.

Um detalhe chama a atenção no relatório do tribunal: a maior parte das obras com problemas (“indícios de irregularidades graves”) faz parte do programa “Avança Brasil”, capitaneado com especial desvelo pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Entre as obras sob suspeita estão a restauração e ampliação de vinte e cinco rodovias – o que faz concluir que os buracos não existem apenas no asfalto ? e a modernização do sistema de produção da Refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária.

Aplicando-se a máxima segundo a qual onde há fumaça há fogo, deve o Congresso Nacional pesar muito bem antes de aprovar a importância (um bilhão de reais, o triplo dos anos anteriores) destinada pelo governo federal à conclusão das obras em apreço. Essa denúncia preventiva do TCU precisa ser levada a sério para que novas somas não sejam subtraídas dos cofres públicos em benefício de malfeitores.

Aqui no Paraná, esse tema remete os contribuintes à obra inacabada, cujo esqueleto continua uma denúncia de malversação de recursos, bem às barbas da sede central do governo: o prédio onde deveria estar funcionando a Justiça do Estado. Uma montanha de dinheiro está ali enterrada inutilmente e até aqui ninguém foi (e dificilmente o será) responsabilizado. A obra da corrupção não se conclui com a locupletação de corruptos; ela se estende também à indiferença da sociedade com os que roubam ou malversam recursos que são de todos. Até quando?

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