Debate encomendado

A bolsa caiu, o dólar subiu, o risco-Brasil também registrou alta. Imediatamente. Foi só o vice-presidente José Alencar e o ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu – ambos do governo – virem a público para contestar o governo. O motivo, de novo, são os juros. Não os praticados, que já são altos. Mas os juros futuros, aqueles que estão por vir. Além de contestar a validade das especulações altistas, ambos recomendaram: a sociedade pode e deve debater o assunto. Assim como Dirceu, ninguém é robô para aceitar ordens e comandos sem avaliar o que eles significam de bom ou de ruim.

No mesmo dia, outro ministro – Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio -, defendia o fortalecimento do mercado interno. Brasileiros e brasileiras também são filhos de Deus. “Queremos o crescimento do mercado interno, sem abrir mão das posições conquistadas no mercado externo, e para isso o País precisa de investimentos”, defendeu. Para isso, há que se produzir rapidamente mais para permitir que a demanda aumente sem pressionar a inflação.

No outro lado do governo, a equipe econômica pensa diferente. Quer controlar a ameaça inflacionária ditada pelo aumento do consumo com o aumento dos juros. Juro alto incentiva a especulação, não a produção. Está criado o impasse.

Para o vice-presidente José Alencar, que é empresário, o combate à inflação pela via dos juros altos achata o consumo. Que consumo, que nada. O certo é subconsumo. Isso mesmo, o Brasil é um país de subconsumo, e “não se pode achatar consumo de quem não consome”. Vai daí que precisamos trocar o atual regime de juros e partir para uma alternativa que reduza o custo do capital e favoreça o setor produtivo.

Dias antes, o presidente Lula se declarava contente (e chegou a chamar o ministro Antônio Palocci de “bonzinho”) com a política econômica, essa dos juros altos que notabilizou a discordância do vice Alencar. Agora Alencar tem um aliado importante – José Dirceu -, que rivaliza Dom Palocci. Falar sobre isso é criar problema, advertiu o já denominado capitão do time, citando sua condição de ministro que (des)obedece o presidente Lula. “Mas não falar é algo inacreditável.” Ninguém pode comentar a ata do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central)? Afinal, “estamos numa democracia ou não estamos?”.

Dirceu, imediatista e talvez de olho na estratégia eleitoral em que se envolve, sonhava com uma taxa básica de juros (a Selic) de, no máximo, 13% em dezembro que vem. Com o País retomando o rumo do crescimento, ele disse que estava ainda mais convencido de que isso seria possível. Entretanto, agora há quem considere que existe pressão inflacionária e quer combatê-la com a borduna de sempre – aumento dos juros. Isso significa mais serviço da dívida interna e pode, também, trazer desestímulo aos investimentos em nome dos quais jurara arrombar portas de norte a sul…

Além do “despropósito” que significam as taxas de juros praticados no Brasil, o vice Alencar vai além. Atira contra o iníquo sistema tributário brasileiro, calvário de atropelados contadores e desesperados empreendedores, que insistem em gerar empregos e produtos num mercado nacional para o qual se volta Furlan, obviamente sem muita chance de sucesso. “O cipoal burocrático em que se transformou o sistema tributário brasileiro – sentencia o vice, sob aplauso geral – não só desestimula o desenvolvimento legal como induz a empresa a buscar caminhos como o subfaturamento”. Para não dizer sonegação. Um espetáculo! Pelo menos esse do debate, enquanto o do crescimento vai ficando para trás. E, de volta, aí está também a discussão sobre a autonomia do Banco Central que, segundo Palocci, se adotada radicalmente dará ao investidor uma perspectiva de longo prazo. O horizonte de nossa felicidade, portanto, deve estar ainda distante do quanto se imagina.

Voltar ao topo