Danos morais, humilhação do empregado e indenizações

Dois acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região-SP, ilustram o estágio de decisões judiciais sobre dano moral, a natureza da lesão e o valor da reparação pelas empresas. Na primeira situação, é exemplar a profunda reprimenda do Tribunal contra métodos agressivos e humilhantes adotados para o estímulo às vendas, diante da necessidade de enfrentamento da concorrência. Na segunda, a que ponto o sistema produtivo atinge fisicamente o empregado, lesionando-o de modo permanente. As empresas são de grande porte, Telesp e Volkswagen. Sinalize-se a modéstia dos magistrados em fixar os valores da condenação, irrisórios em ambos os processos.

A agressão: A ementa do acórdão do TRT.SP é a seguinte:?Danos morais. Humilhação do empregado como forma de incremento da produção. Afronta à dignidade humana. Humilhar, ridicularizar e envergonhar publicamente o empregado vendedor é meio ilícito de incentivo às vendas, uma clara, absurda e intolerável agressão à dignidade humana, a ensejar, claro, reparação de dano moral. Expediente tolerado – senão incentivado – pelo empregador, revelando a banalização do ser humano como instrumento de produção. Indenização não só mantida como ampliada?. A matéria analisada no recurso ordinário versa sobre a indenização do dano moral. No acórdão está explícito que ?a ré nega a existência do ato ilícito. Sem qualquer razão, entretanto. A celeuma está, precisamente, na discussão dos métodos de trabalho adotados pela empresa na busca de resultados e na pressão exercida sobre os integrantes das equipes de vendas para o atingimento de metas. É normal e aceitável que a área de vendas, pela sua importância na empresa, seja constantemente desafiada com a imposição de metas e busca de resultados. Contudo, não se pode admitir que a empresa, nessa empreitada, extrapole os limites do razoável para desaguar no terrorismo, ao adotar, como método de trabalho, ameaças, humilhações, desespero. A extrapolação dos limites configura, sim, o abuso de direito, ao causar danos irrefutáveis à integridade física e mental do empregado, autorizando a imposição de sanção pela conduta nociva?.

A humilhação: No detalhado voto do juiz relator Eduardo de Azevedo Silva estão relatados os fatos e definida a condenação: ?A autora trabalhava em vendas e seu desempenho era monitorado por uma chefe de equipe. Esta, por sua vez, tinha por hábito elaborar desenhos satirizando o desempenho dos subordinados, afixando cartazes depreciativos na sala de café, por todos freqüentada. A chefe chegou a enviar, para a casa da autora, um pacote de lenços de papel, com o fim de consolá-la pelo fraco desempenho. Também enviou um fax no qual se lê a seguinte mensagem: ?Se você não tem entusiasmo, vai acabar sendo despedido com entusiasmo?. A prova oral corroborou as atitudes da encarregada. A preposta confirmou que a chefe desenhava caricaturas de si mesma, relacionadas ao desempenho de seus subordinados, … mostrando-a de ?cabelos em pé?. Outro encarregado deixava os conhecidos ?saquinhos de risada? na mesa de vendedores que não rendiam o esperado?. E comenta o magistrado, em seu voto: ?Ora, ora. O absurdo é de saltar aos olhos. Custo a crer que haja uma tal insanidade numa empresa do porte e da importância da recorrente. Os chefes e encarregados de vendas na Telesp perderam a noção do que separa o incentivo da humilhação, a tal ponto que o resultado, o volume de vendas, o êxito, o sucesso, tudo isso está muito acima e além do respeito ao ser humano. O vendedor não é mais uma pessoa, mas um objeto de produção. Triste sinal dos tempos… Mandar um saquinho com lenço de papel para o vendedor, para que ele enxugue as lágrimas pelo triste resultado pode parecer uma brincadeira infantil, pode parecer até uma forma bem humorada de incentivar a produção. Isso, porém, para quem já perdeu a noção do que é um ser humano, para quem já perdeu a noção da dignidade da pessoa humana, para quem já perdeu a idéia dos valores éticos que envolvem a vida em sociedade, para quem todas as formas de distorção já são coisas banais, como a corrupção, a violência, a degradação, a espoliação, a miséria. Colocar sobre a mesa do vendedor que não alcançou o resultado previsto, para que todos assistam e riam do seu desempenho, é algo absolutamente desumano e cruel. Forma-se um contexto em que o tal local de trabalho está muito mais para hospício, para sala de horrores, para câmara de tortura do que propriamente local de trabalho?.

A violência: ?Em lugar da inteligência com sensibilidade, como instrumentos para incentivar vendedores, para de tirar deles o melhor de si, os chefes e encarregados partiram para a humilhação, para o sofrimento, para a agressão moral, para a vergonha. Não venha a ré dizer que não há prova dos danos. A gravidade da situação a qual foi submetida a autora fala por si mesma. As humilhações eram públicas e até mesmo a privacidade do lar foi violada. Outrossim, alegar culpa concorrente da autora beira a litigância de má-fé, senão a irracionalidade. De fato, como se dizer, num tal contexto, que a autora, ?que se coloca como vítima, precipitou todos os fatos que supostamente teriam lhe causado prejuízos?? ?Custa crer numa tal alegação. Quer dizer então que a autora, só porque eventualmente não alcançou os resultados, merecia ser humilhada, envergonhada, agredida? Quer dizer então que na Telesp os vendedores que não alcançam os resultados esperados são e merecem ser moralmente violentados? Uma tal alegação, ao contrário, é uma prova eloqüente de que a Telesp não só tolera, não só admite esse desvario, como incentiva essa prática desumana e cruel de incremento às vendas. Diante desse contexto, muito bem andou o MM. Juiz a condenar essa agressão moral?.

A condenação: No que concerne ao valor da condenação, eis a decisão adotada pela Turma do E. TRT.SP: ?De outro lado, e por conseqüência, tem razão a autora quando pede a elevação do valor da reparação do dano. A reparação do dano moral não pode ser simplesmente simbólica. Ao contrário, deve cumprir o importante papel preventivo e pedagógico. O valor fixado pelo juízo de origem, correspondente a dois salários mensais (R$ 2.216,90), não atende esse objetivo, notadamente em razão da gravidade do ato e do potencial econômico da empresa. Por isso, ainda que, a meu ver, fosse caso para um valor muito maior, elevo o valor dessa reparação a apenas o correspondente a 10 (dez) salários mensais, ou seja, R$ 11.584,50, já que esse o valor pugnado pela autora no seu recurso?. (Processo TRT/SP  02124.2001.433.02.00-1 (20030955224). Origem: 3.ª Vara do Trabalho de Santo André. Recorrentes: 1. Rosângela José Ferreira 2. Telecomunicações de São Paulo S.A. Telesp Ac.20050401623 – 3.ª Turma TRT 2.ª Região, publicado DJSP 05.07.2005). O ridículo valor da condenação pelo juiz de primeiro grau, mesmo elevado em cinco vezes, permaneceu em importância irrisória diante dos fatos e da fundamentação teórica do voto. O que significou para a reclamante, em termos de profissão, saúde e vida, o absurdo e violento tratamento da empresa? E para a poderosa empresa de telecomunicação, o que significou ser condenada a dez salários mensais? Não houve, assim, correspondência entre a gravidade dos fatos que atingiram a empregada e a reparação do dano.

Perda auditiva e o parcelamento da indenização: O mesmo Tribunal, pela sua 6.ª Turma, condenou a Volkswagen do Brasil Ltda, no processo movido por trabalhador metalúrgico pela perda auditiva de caráter irreversível e incapacitante, a pagar 240 salários mínimos, sendo dois salários mínimos mensais pelo prazo de 10 anos. Argumentou o juiz relator Rafael Pugliese Ribeiro que ?a lesão auditiva é lesão a um dos sentidos do homem. A audição cria uma conexão do homem com o meio exterior, promovendo as relações interpessoais. Ninguém ignora que um ambiente ruidoso é apto a produzir irritabilidade, predispor a fadiga e favorecer a complicações físicas, orgânicas e psíquicas, notadamente para quem já revela quadro de lesão iniciada?. E ainda: ?Feriu, pois, a ré, um bem jurídico da maior importância para o homem, qual seja a sua saúde, o bem-estar, a higidez física, de cuja lesão resulta, de forma derivada, uma perturbação emocional. É inegável a lesão imaterial (moral) que afeta o autor e toda a preocupação que pode ter sobre recear rejeições no mercado de trabalho?. Quanto ao valor condenatório e a divisão em parcelas, o juiz Pugliese acentua que ?melhor do que fixar uma indenização em prestação única (valor equivalente a 240 salários mínimos) e de valor elevado, será a fixação de um valor pequeno em várias prestações, prolongando no tempo o sentido de atualização da medida reparatória, com inegável vantagem educativa e repressora? (RO 01613.2002.461.00-6).

Avanço: Consideramos que no primeiro processo a quantia da condenação foi irrisória e, no segundo, ainda que mais elevada, também irrisória diante da lesão sofrida. Questionável, ainda, o pagamento parcelado mensal de quantia ínfima. Portanto, se de um lado avança a concepção jurídica dos magistrados do trabalho de proteger o trabalhador contra a agressão moral das empresas, por outro lado os valores das condenações continuam sendo irrisórios diante das lesões sofridas. Neste ponto, a Justiça do Trabalho tem muito a avançar.

Registro: Os acórdãos dos quais extraímos pontos principais, nos foram encaminhados pelo advogado paranaense Luiz Salvador, membro dirigente da ABRAT e ALAL, responsável pelo setor de comunicação das entidades, que vem realizando excelente trabalho diário de divulgação de notícias, artigos, debates e decisões judiciais, municiando a todos nós em nossas tarefas cotidianas de enfrentamento das questões profissionais. Fica aqui o registro desse labor relevante.

Edésio Passos é advogado e ex-deputado federal(PT/PR). E.mail:edesiopassos@terra.com.br

Voltar ao topo