Da multa prevista em comandas de consumação e a defesa do consumidor

É prática comum em restaurantes, lanchonetes, bares, paradas de ônibus, comércio de produtos artesanais em balneários e rodovias litorâneas e congêneres, a utilização das conhecidas comandas de consumação, ficha que é usada para uma espécie de registro das despesas efetuadas pelo público consumidor nos estabelecimentos. As citadas comandas, freqüentemente, também incluem um alerta da imposição de ?multa? em caso de perda ou extravio da citada anotação de débito.

Pois, bem. Nota-se que, independentemente do quanto vá gastar o cliente, de pronto é fixada a sanção pecuniária. Vejamos.

É de se aquilatar a validade legal dessa imposição financeira, quando houver sumiço ou desvio daquela memória de despesa.

Tratando-se de inadimplência do consumidor, a multa prevista legalmente é de 2% do que foi gasto, conforme dispõe a Lei n.º 9.298 de 1996, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Nos casos de perda da comanda, por óbvio que não se conclui pela falta de pagamento, já que a despesa foi efetuada, apesar do valor devido não estar registrado. Impondo-se ao consumidor o pagamento de multa, duas situações podem ocorrer.

A primeira, aponta para o valor da pena pecuniária ultrapassar o valor efetivamente gasto pelo consumidor e em consectário sobrevir violação ao CDC(1). Vai daí que se o fornecedor exigir o pagamento da indigitada multa, o consumidor estará tutelado pelo disposto na mesma Lei(2). A segunda, mira na quantia devida ser superior à multa exigida do consumidor, vindo em conseqüência prejuízo para o fornecedor.

Equivale dizer, sendo uma ou outra a hipótese, a pendência estará instalada.

O fato é que a comanda com especificação de multa não encontra amparo legal, donde qualquer estipulação de castigo financeiro soa precipitada e pode culminar em responsabilidade criminal e medidas cíveis para amparo de direitos coletivos, através de Ação Civil Pública, dada a potencialidade de dano de consumo.

Administrativamente, a sanção contra o estabelecimento que impõe a cobrança de multa por extravio de comanda será a cassação do alvará de licença para localização do comércio infrator, haja vista desrespeito às normas de Defesa do Consumidor, previstas nos Códigos de Posturas Municipais.

Olhando o fato sob o aspecto criminal desponta o delito de constrangimento ilegal, definido no artigo 146 do Código Penal. O crime pode implicar em pena de detenção de três meses a um ano ou multa, quando o proprietário do estabelecimento e/ou funcionários impedirem que o consumidor deixe o espaço comercial, execute determinado serviço por conta da multa ou da despesa efetuada não conhecida (e.x. lavação de banheiros, de pratos, varredura de chão, realização de telefonemas, seja trancafiado em uma sala, perseguido ao sair do local, realização telefonemas aviltantes).

Até pode ser que se trate de costume comercial que se prolonga por anos, tendo o comércio aderido a essa prática, porém, o próprio comércio evoluiu e no mesmo passo a comodidade oferecida ao público consumidor deve estar presente, sob pena dessa evolução atropelar aqueles que resistem aos tempos moderno. A utilização da informática, parece-me, seria a melhor saída, senão a única, para aposentar a comanda e, assim, repassar ao fornecedor a certeza de que a Lei de Consumo está sendo observada.

Assim, propomos que o fornecedor ampare-se na Lei de Defesa do Consumidor e no bom senso comercial, como forma de manter e respeitar seu público consumidor e, evidentemente, angariar outros tantos consumidores além de, dessa forma, evitar eventuais enfrentamentos jurídicos futuros.

Notas:

(1) Artigo 51 São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

– IV estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a eqüidade;

– X permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

(2) Código de Defesa do Consumidor

– Artigo 42 omissis

Parágrafo único – O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese

João Henrique Vilela da Silveira é promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa do Consumidor, do Ministério Público do Paraná.

Voltar ao topo