Curitiba, minha querida

“Curitiba se tornou mocinha, enleada em véus de cerração. Dormiu sertaneja, acordou européia”.

Curitiba nasceu em berço de ouro. Num tempo em que as águas puras dos rios do nosso planalto beijavam os preciosos cascalhos, antes da cobiça dos mineradores.

Este era o tempo dos valentes tingüis, a dormir nas coivaras, buracos feitos na terra, para abrigá-los do frio.

Curitiba foi criança, em campos cobertos de pinhões. Onças pintadas e bandos de gralhas azuis brincaram com ela. Tatus, cotias, ouriços lapiseiros, também. De vez em quando, tucanos e papagaios da cara-roxa voavam em bandos para cima da serra azul, e vinham espiar o crescimento da Vilinha.

Branca e de janelas azuis, preguiçosa entre dois rios, umas poucas casas portuguesas de taipa amassada à mão, em torno da igreja onde, soberana, velava por todos Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.

Este era o tempo dos intrépidos tropeiros, carregados de mantas de charque, rasgando as terras do sul, sem medo do caudal dos rios, os caminhos abertos a patas de mula, alargando o Brasil, enfrentando os castelhanos para além da linha de Tordesilhas.

Curitiba se fez menina, ao vapor das chaleiras ferventes de chimarrão, no soque compassado dos engenhos, quando aprendeu a fazer comércio com as generosas folhas de erva-mate, cujas árvores crescem à sombra frondosa das araucárias.

Este era o tempo dos homens verdes, suados e cobertos de pó de mate, carregando os surrões, bexigas de boi, onde o produto era armazenado – antes que o fosse em barricas de pinho, que estas, só vieram com o ritmo frenético das serrarias, do vapor e da eletricidade.

Curitiba se tornou mocinha, enleada em véus de cerração. Dormiu sertaneja, acordou européia.

Este era o tempo da queda das casas de taipa. Da reforma das igrejas portuguesas de pedra e cal. Ganharam torres em agulha, esperando neve, como se no norte da Europa estivessem. Os muros com as marcas das mãos escravas, já não lhes serviam. A cidade ficou repleta de varandas bordadas em lambrequins. Multiplicaram-se lampiões. Acenderam-se luzes. A lama dos caminhos cobriu-se de paralelepípedos. Chegaram os imigrantes.

Curitiba se tornou mulher, seduziu o Brasil inteiro, na beleza do seu corpo urbano, no azul de seus olhos celestiais, no verde de seus parques, na suavidade de sua brisa, na definição de suas formas, na correção de seu crescimento, na fartura das suas oportunidades.

Este foi o tempo de construirmos os parques Tanguá, Tingüi, Alemão, Português, Italiano, da Fazendinha, dos Tropeiros. Este foi o tempo abençoado de erguermos os Faróis do Saber, as Ruas de Cidadania, os restaurantes populares a um real, as farmácias Curitibana com fartura de remédios gratuitos à população. Eis que foi o tempo de sonharmos uma cidade onde Vale Vovó, onde as crianças, pelo acesso amplo à educação e à cidadania, têm direito a transformar sua beleza em esperança.

Aos 310 anos, Curitiba parece balzaquiana. Acorda nervosa, com medo da poluição, asfixiada com o crescimento metropolitano, inquieta com o futuro, com medo dos vizinhos, ameaçando procurar em cada um de seus filhos, um analista.

Eu, continuo apaixonado. Qualquer que seja o seu rosto, teu dilema, tua atitude, sempre lhe direi: Curitiba, minha querida, conte comigo.

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