Crise no PT

O PT, às vésperas de completar 27 anos de existência, arrosta uma crise que o deixa com a cara de um retrato de Dorian Gray. A vitória esmagadora de Lula para um segundo mandato parecia ter aparado as arestas existentes desde que um grupo fisiológico, porém majoritário, dobrou-se às manobras do que seria a cultura antiética da política brasileira. Muitos desse grupo, denominado Campo Majoritário, mamaram nas tetas de um sistema político em que a ética passou a ser um luxo pequeno-burguês desprezível. E o dinheiro do povo uma propriedade comunal, que fica com quem põe a mão primeiro.

A crise terá seu dia D amanhã, com a divulgação de um documento redigido pelo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, denominado Mensagem ao partido. Nele, pelo que se informa, o que resta do petismo ético desanca o tal de Campo Majoritário, o PT de muitos pecados que se apresenta angelical, mas que desmascarado vai evidenciar os ferimentos que as diversas crises atravessadas causaram. O documento ressuscita a crise do mensalão e volta a apresentar a tese, antes já defendida por Tarso Genro e seu grupo, da necessidade de refundação autêntica do partido, para recolocá-lo nos trilhos.

Evidencia-se que há dois PTs, um governista, o do Campo Majoritário, e o autêntico, que quer recuperar as idéias e as bandeiras éticas que foram a base da sua fundação e conduziram a agremiação até a primeira eleição de Lula. Desse quadro pode-se tirar a conclusão de que Lula voltou ao poder, para um segundo mandato, sem o PT ou apenas com uma fatia dele – a maior, porém a mais fisiológica, mais comprometida com os escândalos e mais conivente com a organização de um governo condominial. O tal Campo Majoritário não passa de mais um grupo entre os muitos que porfiam por posições e cargos, até aceitando renunciar ao que, de direito, deveria caber ao PT, se considerado ainda o partido de Lula.

Os líderes do grupo estão prontos para a guerra. A reação aos ataques dos autênticos, comandados pelo ministro Tarso Genro, está sob a batuta de Ricardo Berzoini, atual presidente do partido, que desse posto foi afastado quando seu nome foi envolvido no ?dossiêgate?. Nesse episódio, foi substituído por Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Lula. Agora ele deixa a direção interina e volta à assessoria. E ainda é encarregado de redigir um segundo documento, contra-ataque ou defesa da Mensagem ao partido. A principal e talvez decisiva batalha entre os dois grupos vai acontecer na reunião do diretório nacional do PT, marcada para o dia 10 de fevereiro, em Salvador. Na noite da véspera, também em Salvador, o partido festejará seu 27.º ano de fundação num jantar presidido por Lula. O presidente observa a batalha a distância, evitando envolver-se no arranca-rabo.

Pelo que se sabe, o documento de Genro está longe de ser água com açúcar ou um prato apetitoso para o jantar festivo. Incorporaria versões de líderes de esquerda do petismo. Seus termos ácidos dizem que o partido ainda não superou a crise ética que corrói sua reputação desde 2005. Crise de corrupção ética e programática. O manifesto não considera a crise do PT um episódio conjuntural. Nem o atribui a desvios comportamentais ou meros abusos de poder e de confiança. Afirma que foi uma crise provocada por ?um modo de construção eleitoralista? e pelo afastamento do PT ?das organizações de base e do mundo do trabalho e da utopia socialista?. A conclusão mais provável é que o presidente fica com seu condomínio político e uma sigla PT situacionista aceitando morar no governo de segunda. Quem sabe no porão ou no sótão, onde se guardam as tralhas que já serviram e um dia ainda podem ser reaproveitadas.

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