Eduardo Bastos de Barros

Crise, Câmbio e possível discussão judicial de contratos de derivativos na modalidade swap

Dentre os efeitos da recente crise financeira mundial, o impacto da oscilação da taxa de câmbio é o que vem despertando maiores discussões no âmbito jurídico. Recentemente, várias empresas que celebraram contratos de derivativos cambiais na modalidade de swap junto a Instituições Financeiras, têm procurado escritórios de advocacia para orientação, diante do considerável prejuízo que passaram a experimentar desde que cotação do dólar saltou, em meados de 2008, em pouco tempo, de aproximadamente R$ 1,60 para mais de R$ 2,45 (regredindo para algo em torno de R$ 2,15/R$ 2,20 em seguida).

Muitos desses empresários, que já viveram a maxidesvalorização do real em 1999, perguntam se não poderiam invocar a teoria da imprevisão para deixar de honrar os compromissos assumidos com as Instituições Financeiras.

Diante disso, é oportuno tecer algumas considerações sobre tais instrumentos financeiros. Em primeiro lugar, vale destacar que os contratos de swap e outros derivativos envolvendo a moeda norte-americana são devidamente previstos por normas emitidas pelas autoridades competentes, notadamente pelo Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários.

Não há, portanto, qualquer irregularidade na oferta, pelas Instituições Financeiras a seus clientes, de produtos dessa natureza. Em segundo lugar, é preciso ressaltar que a atual crise não guarda qualquer semelhança, do ponto de vista jurídico, com a maxidesvalorização do real ocorrida em 1999.

Naquela época, a taxa de câmbio era fixada pela autoridade monetária. Não era livre a flutuação do câmbio. A estabilidade da cotação da moeda norte-americana foi inclusive um dos alicerces da política econômica do Governo Federal de então.

Ou seja, o próprio Poder Público, ao criar um cenário econômico fundado no regime de câmbio fixo, incentivou a adoção, pelos agentes econômicos, de comportamentos condizentes com a aludida condição.

Assim, em 1999, era lícito afirmar que a abrupta desvalorização do câmbio após o abandono do regime de câmbio controlado e adoção do regime de câmbio flutuante, representou um evento imprevisível aos contratantes de obrigações atreladas à variação do dólar norte-americano, evento este que, precisamente por isto, autorizou a intervenção do Judiciário sobre os contratos para restabelecer o equilíbrio econômico e evitar uma onerosidade excessiva a uma das partes.

Hoje, passados quase 10 anos do desastre representado pela forma pela qual houve a migração do regime de câmbio administrado para o de câmbio flutuante no Brasil, a situação é completamente diferente.

O regime de câmbio flutuante vigora há anos na área cambial. Como sabido, é da essência de um regime de taxa flutuante a oscilação na cotação da moeda. Logo, atualmente, ao contrário do que se passou em 1999, a alteração da cotação do dólar norte-americano, ainda que brusca e importante, não pode ser reputada como evento imprevisível, que enseja a intervenção do Judiciário sobre os contratos que têm obrigações atreladas à variação cambial.

Estariam, assim, os empresários que celebraram contratos desta natureza, sem fundamentos jurídicos para o questionamento de tais operações? A resposta é negativa. Pelo menos para parte deles.

Isso porque vários dos contratos de operações de swap referenciadas em taxas de câmbio que tivemos oportunidade de analisar recentemente apresentam grave defeito do ponto de vista jurídico: a grande maioria dos mesmos apresenta limitadores de oscilação para a cotação do dólar somente em favor dos Bancos e não em favor de ambas as partes.

Com efeito, os clientes que celebraram contratos de derivativos na modalidade em comento apostavam numa valorização ainda maior da moeda brasileira em relação ao dólar.

Em virtude disto, venderam, por meio dos contratos de derivativos, moeda futura (dólar) aos Bancos, “travando” a cotação da mesma em um patamar que lhes interessava.

Por exemplo, caso a cotação do dólar fosse inferior a R$ 1,75 na data de liquidação, o Banco pagaria ao cliente a diferença. Caso fosse superior, o cliente pagaria ao Banco a diferença.

Por algum tempo, os clientes auferiram resultados positivos com tais operações. Não é necessário se alongar muito para demonstrar que tais contratos, a partir de 2008 até abril de 2009, passaram a ser um péssimo negócio aos clientes.

A parcela questionável desses contratos reside na falta de equidade e boa fé das cláusulas de limitação de prejuízo unicamente em benefício dos Bancos. Vimos contratos em que, uma vez fixado (“travado”, no jargão financeiro) o valor da cotação da moeda americana, estipulava-se que a oscilação máxima a ser suportada pelo Banco seria de 11 centavos de real por dólar, não mais do que isto.

Logo, se o cliente fixou o preço da moeda a R$ 1,75 e a moeda caiu a R$ 1,60, o Banco creditava apenas a diferença de R$ 0,11 por dólar, e não os 15 centavos totais. Em outro contrato, o Banco limitou o valor de seu prejuízo, estabelecendo um “valor máximo acumulado”, em reais, para suas perdas.

Atingido esse valor máximo acumulado, o contrato é reputado automaticamente cancelado. Entretanto, os contratos nada previam para o fato do dólar disparar. Em outras palavras, enquanto limitaram possível prejuízo a ser suportado pelos Bancos, deixaram ilimitado o potencial (agora, real) prejuízo a ser suportado pelos empresários, mesmo quando se está diante de uma situação em que o risco das partes (Banco e cliente) é idêntico.

Nessas circunstâncias (contratos contendo cláusula de limitação de prejuízo unicamente em benefício dos Bancos), entendemos que o Código Civil autoriza a intervenção do Judiciário, para a adequação da onerosidade excessiva e redefinição do conteúdo de obrigações contrárias ao princípio da boa-fé.

Em outras palavras, os empresários devem procurar questionar tais contratos sob o argumento de que as cláusulas que autorizam somente os Bancos a limitar o valor do prejuízo advindo do contrato ou dar o contrato por rescindido antecipadamente caso seja atingido determinado “valor máximo acumulado” de perdas devem ser também aplicadas em favor do cliente.

Eduardo Bastos de Barros é mestre em Direito pela UFPR. Professor de Direito Comercial da PUC/PR. Advogado.

eduardo.bastos@marangehlen.adv.br

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