Crimes fiscais e o Refis

Para que o leitor menos atualizado sobre esta matéria possa entender á relevância de recente decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal, faremos um retrospecto sobre as normas que regulam a matéria envolvendo o citado julgado.

A Lei n.º 9.249/95, no seu artigo 34 estabeleceu que o pagamento do débito tributário até o recebimento da denúncia é causa de extinção da punibilidade, vindo a nossa jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, a tornar pacífico que o parcelamento da dívida equivale ao pagamento para fins penais.

Veio a Lei n.º 9.964/00 (REFIS), e no seu artigo 15 previu que nas hipóteses em que as empresas que tivessem cometido crime de sonegação fiscal contempladas na Lei n.º 8.137/90, assim como de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados previstas na Lei n.º 8.212/90, artigo 95, letra ?d? (atual 168A, do Código Penal), quando fossem incluídas no REFIS, antes do recebimento da denúncia, teriam a persecução criminal suspensa, assim como a prescrição penal.

Finalmente a Lei n.º 10.684/04 (PAES), num primeiro momento previa a concessão de parcelamento, tanto para os delitos de sonegação fiscal quanto de omissão no recolhimento de contribuição previdenciária descontada dos empregados, prevendo, ainda, que ditos parcelamentos importavam em suspensão do processo e da prescrição, independentemente da fase em que estivesse a persecução criminal.

É relevante também observarmos que em relação ao parcelamento de débitos oriundos de omissões de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, houve veto pelo Presidente da República (art. 5.º, § 2.º), ficando, assim, proibido concessão de parcelamento para esta modalidade de tributo.

Esta situação importou, dentre outros, como principal, dois debates: a) seria aplicável esta lei, no aspecto penal e processual, aos delitos de omissão de contribuição previdenciárias descontadas dos empregados? b) no caso de opção pelo REFIS, cuja lei somente permitia a suspensão do processo e da prescrição, até o recebimento da denúncia, incidia as regras da lei mais nova.

Nós já escrevemos em diversas oportunidades defendendo que a nova lei (10.684/02, art. 9.º), deveria ser aplicada indistintamente.

A jurisprudência passou a adotar, se não de forma unânime, ao menos majoritária, interpretação no sentido de que a Lei n.º 10.684/02, quanto aos delitos de omissão de recolhimento de contribuição previdenciária somente seria aplicável quando houvesse o pagamento integral do débito, independentemente da fase da persecução criminal que se encontrasse, inclusive com trânsito em julgado, não existindo qualquer relevância o parcelamento, a qualquer título que fosse, após o recebimento da denúncia, face o citado veto presidencial. No caso do parcelamento antes do recebimento da denúncia, aplicar-se-ia a regra do artigo 34 da Lei n.º 9.249/95, com extinção da punibilidade, por ele equiparar-se ao pagamento.

Relativamente ao demais delitos fiscais, no caso de parcelamento antes do recebimento da denúncia, a maioria dos julgados vinham decidindo que deveria ser aplicado o citado artigo 34, também com extinção da punibilidade.

Já no caso de opção ao REFIS (Lei n.º 9.964/00), a posição majoritária era no sentido de que somente se aplicaria a suspensão do processo e da prescrição quando ele tivesse sido efetivada antes do recebimento da denúncia, não incidindo as regras mais benéficas da lei n.º 10.684/02, face o fato de não ter o recebimento da denúncia como impeditivo da aplicação desta benesse, tanto para os delitos de sonegação fiscal quanto de omissões no recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados.

Agora, o Supremo Tribunal Federal em julgamento de habeas corpus apreciando crime de omissão no recolhimento de contribuição previdenciária, onde ocorreu a opção pelo REFIS, após o recebimento da denúncia, decidiu que a vedação prevista pela Lei n.º 9.964/00, quanto à necessidade da opção ter ocorrido antes de recebida da inicial acusatória, não se aplica, incidindo a lei nova mais benéfica, que é a Lei n.º 10.684/02, a qual autoriza a suspensão do processo e da prescrição, independentemente do momento em que tenha ocorrido a opção do devedor. Veja-se matéria publicada no Boletim Informativo do STF.

?O Min. Marco Aurélio, relator, acompanhado pelos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, deferiu, em parte, o writ para anular o acórdão do TRF da 1.ª Região que confirmara a condenação do paciente e suspender a pretensão punitiva e o curso da prescrição, ficando sobrestado o processo instaurado. Inicialmente, o relator apresentou panorâmica da evolução legislativa no trato da matéria, ressaltando que a opção político-legislativa sempre foi no sentido de, tanto quanto possível, alcançar-se a liquidação da dívida ativa da Fazenda, afirmando, também, que tais normas dizem respeito ao não recolhimento de contribuições descontadas de empregados. Asseverou que, no caso, o parcelamento ocorrera em data anterior ao citado veto e que esse parcelamento produz, até ser contestado, as conseqüências mencionadas no referido art. 9.º da Lei 10.684/2003 (?É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1.º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2.º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios?). Entendeu, tendo em conta a interpretação sistemática e teleológica do art. 2.º do CP e do CPP, aplicável, portanto, a Lei 10.684/2003, considerando que a incidência do art. 9.º desse diploma legal não poderia afastar a do seu § 1.º. Dessa forma, concluiu, em observância ao princípio da unidade, ser inadmissível a tese da defesa no sentido de se ter a proclamação da incidência do art. 9.º da Lei 10.648/2003, ante a adesão ao REFIS, obstando-se a pretensão punitiva do Estado e, ao mesmo tempo, assentar-se o curso da prescrição.? (Matéria publicada no INFORMATIVO do STF, de 14.10 a 04.11.2005).

Este novo posicionamento é bastante relevante e de efeitos práticos consideráveis, porquanto, diferentemente do que vinham decidindo nossos Tribunais, havendo a empresa do acusado optado pelo REFIS, independentemente do tributo e da fase em que se encontra a persecução criminal, ainda que com decisão transitada em julgado, incide a suspensão do processo, ou da execução, na forma prevista no artigo 9.º, da Lei n.º 10.684/02.

Em vista desta nova interpretação das normas ora em análise, é importante que os advogados criminalistas que possuam clientes nestas condições reanalisem cada caso, para aferir a possibilidade desta nova interpretação à norma ser aplicada, inclusive, se for o caso, com suspensão do cumprimento de pena.

De outra feita, considerando que inúmeras opções ao REFIS foram indeferidas com a prática das mais diversas irregularidades, torna-se muito importante a discussão na via judicial para sua reinclusão, pela relevância civil e penal que ela contempla.

Em razão desta posição do Egrégio Supremo Tribunal Federal tem-se que toda opção ao REFIS nos moldes da Lei n.º 9.964/00, importa em suspensão do processo e da prescrição, incidindo as regras do artigo 9.º, da Lei n.º 10.684/02, independentemente da fase que o feito se encontre, ainda que em execução da pena corporal e/ou pecuniária, além dos seus efeitos secundários, sendo por isso relevante a instauração de debate judicial para restabelecer o direito à dita opção, no caso de indeferimento da opção, face a importância que ela representa também para os fins penais.

Jorge Vicente Silva é advogado, professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, Pós-Graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, ?Tóxicos – Análise da nova lei?, ?Manual da Sentença Penal Condenatória?, e no prelo ?Crime Fiscal – Manual Prático?.

E-mail: jorgevicentesilva@ jorgevicentesilva.com.br;
advocacia @ jorgevicentesilva.com.br?,
Site ?jorgevicentesilva.com.br?

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