Corpo fechado

Luiz Inácio Lula da Silva tem o corpo fechado a qualquer risco de perda de prestígio junto aos eleitores de classe média ou de renda comprimida, estes moradores das extensas regiões um dia caracterizadas como grotões por Tancredo Neves, diante duma vitória avassaladora dos candidatos da antiga Arena, partido que sustentava a ditadura militar.

Está provado que Lula é imbatível nos grotões, sobretudo pela consolidação efetiva de providências assistenciais do governo para mais de 40 milhões de patrícios, até então condenados ao suplício subumano da miséria e da fome. Mais de 11 milhões de famílias recebem o auxílio financeiro mensal da Bolsa Família, sua única fonte de renda, não obstante transferida de imediato para o comércio local onde fazem a aquisição da ração básica para a sobrevivência.

Infelizmente, o governo foi inoperante no estímulo a projetos factíveis de gerar empregos e renda, embora tenhamos a obrigação de consultar os arcanos para tentar identificar projetos adequados para absorver a mão-de-obra ociosa dos milhares de municípios situados abaixo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ou seja, sem a escolaridade mínima exigida hoje mesmo para o exercício das funções mais elementares.

A pesquisa Ibope divulgada sexta-feira reafirma a posição folgada de Lula em relação a Alckmin (52% a 40%), quando o eleitor foi estimulado a dizer em quem votaria no dia 29. Transferindo o cálculo para os votos válidos (menos nulos e indecisos), Lula ganharia por 57% a 43%. O resultado foi apurado após o debate da Rede Bandeirantes, no qual o candidato tucano fez contínuas referências ao dossiê Vedoin, além de tentar pespegar no candidato à reeleição a pecha de mentiroso.

Nada disso serviu de empecilho ao sprint lulista nessa fase final de campanha, a exatos 14 dias da eleição, de certa forma aliviado do peso incômodo dos trapalhões palacianos que construíram a trampa na qual eles próprios desandaram. Apesar do lixo ser igualzinho ao do lado acusador, Lula sai-se olimpicamente dizendo que não varre a escória para baixo do tapete.

O eleitorado de Lula é fiel e não arreda pé. Interessante do ponto de vista da análise política é constatar que esse é o mesmo contingente que respondeu com densa votação nos candidatos da Arena e, mais tarde, em Fernando Collor e no próprio Fernando Henrique Cardoso. Cansados de aguardar a concretização das promessas, os eleitores finalmente se depararam com um candidato merecedor de seu apreço e a ele hipotecaram apoio irrestrito.

Sem referências hiperbólicas a seu patrimônio pessoal de ética ou à estapafúrdia declaração que ninguém fez mais em quatro séculos, cálculo que reduziu comportadamente à Proclamação da República – e ainda, assim, um exagero sem precedentes – Lula faria melhor papel ao reconhecer que a maioria dos compromissos de seu projeto não saiu do terreno das boas intenções.

Mais um mandato é o reconhecimento da maioria e tal mérito ninguém pode lhe tirar. Mas isso demanda o compromisso de agir com rigor para recolocar a economia do país na trilha do desenvolvimento sustentado. O busílis é o crescimento e a distribuição justa da riqueza.

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