Conjuntura das negociações coletivas

Saúdo aos presentes vinculados à Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Paraná, em nome de seu presidente, senhor Epitácio Antônio dos Santos. Agradeço o convite, particularmente, em nome do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região, que represento na qualidade de sua vice-presidente e ouvidora, não sem congratulá-los tanto pela iniciativa, quanto pelo expressivo programa de debates.

No tema destacado Conjuntura das negociações coletivas Ações Plúrimas e Direitos Difusos dos Trabalhadores detectam-se, em verdade, dois conteúdos distintos.

Nessa ordem, primeiramente, cumpre analisar o contexto da negociação coletiva no Brasil.

Clássico no ordenamento jurídico brasileiro é consagrar dois grupos de fontes formais para o Direito do Trabalho: as provenientes da intervenção estatal (em que se localiza, inclusive, a sentença normativa pronunciada em ações de dissídios coletivos, no chamado exercício do Poder Normativo pela Justiça do Trabalho) e as originadas da autonomia privada individual ou coletiva, esta exercida, conforme ditame do art. 8.º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, obrigatoriamente pelos sindicatos. Ou seja, a ordem constitucional rejeita qualquer ação própria à esfera coletiva em disjunção à legítima representação sindical, que agrega valor ao modelo de democracia participativa.

Entretanto, a partir da implantação do Plano Real em 1994, o objetivo momentâneo das políticas públicas no país, do qual pontual e efetivamente não se retira importância, foi a consolidação de moeda dissociada de padrão inflacionário tão temerário e caótico, em detrimento de avanços nas garantias sociais do trabalho.

A Medida Provisória 1.079, de 28 de julho de 1995, conhecida como ?MP da desindexação?, fixou no artigo 13: ?No acordo ou convenção e no dissídio coletivo, é vedada a estipulação ou fixação de cláusula de reajuste ou correção salarial automática vinculada a índice de preços.?

Sem atualização da estrutura corporativa da organização sindical brasileira, tanto que sequer, à época, as Centrais Sindicais eram incluídas nesta pirâmide representativa, mesmo com relevo político e legitimidade óbvios; com ênfase na negociação direta entre sindicatos e empregadores, mas associada à proibição de negociação de cláusulas contendo reajustes automáticos ou fixação de produtividade; e ainda o paternalista recurso ao sistema muito tradicional do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, aliavam-se ao quadro negativo da recessão da economia, desemprego crescente e multiplicação dos procedimentos de flexibilização e terceirização nas empresas, ou seja, precarização das relações de trabalho apresentando dificuldades de novo tipo à representação sindical.

De fato, nos anos que se seguiram, constatou-se importante redução no número de ações coletivas trabalhistas ajuizadas e, quando ?bem-sucedida? a celebração de acordos ou convenções coletivos de trabalho, contemplava preferencialmente cláusulas de garantia de empregabilidade, em lugar de quaisquer outros objetivos de pauta revindicatória, eventualmente superadores às garantias legais ordinárias e mínimas. Além disso, vigorava a Resolução Administrativa n.º 4 do TST, que levava radicalmente, ao pé da letra, as exigências para o ajuizamento dos dissídios coletivos.

Desnecessário ponderar com os senhores mais detalhes da conjuntura então vivenciada.

Basta lembrar que conforme acentuou o então Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região, que abrange a Grande São Paulo e a Baixada Santista, portanto região geoeconômica mais relevante do País, juiz. Francisco Antonio de Oliveira, ?as negociações coletivas estiveram calcadas no ?terror à perda do emprego?, o que dificultava sobremaneira a representação sindical, e o amadurecimento das negociações coletivas entre representantes das partes na relação social mais relevante, a do trabalho. Quadro jurídico inteiramente diferenciado se configurou com a edição da Emenda Constitucional n.º 45, de 2004, cuja redação do novo art. 114 alterou profunda e internamente o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, mantido apenas de forma residual, com privilégio à eleição da arbitragem quando frustrada a negociação coletiva e criando pressuposto objetivo para ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, que é a obtenção da chamada ?cláusula de comum acordo?.

Destaca-se também o § 3.º do inciso IX, do art. 114 da Constituição que conferiu, em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, legitimidade ao Ministério Público do Trabalho para ajuizar dissídio coletivo, de competência material da Justiça do Trabalho.

E assim, harmoniosa às diretrizes constitucionais, tem sido a atuação do Judiciário Trabalhista, sendo que detenho o depoimento privilegiado de noticiar, dentro das atribuições do cargo que hoje ocupo, encarregada de presidir as reuniões que trazem controvérsias de natureza coletiva, que o Tribunal do Trabalho da 9ª Região busca, sempre, desempenhar o importante papel de mediação, de conciliação, visando a celebração de acordo ou convenção coletiva de trabalho que venha a ser posteriormente depositada junto à Delegacia Regional do Trabalho, e se não possível, ao menos alcançar a ?cláusula de comum acordo?, porque certo tem sido que sem tal requisito constitucional, todo dissídio coletivo resultará extinto, sem julgamento do mérito.

Nesta conjuntura de economia mais equilibrada, crendo-se, também, que as relações jurídico-institucionais encontram-se mais fortalecidas, as estatísticas oficiais são promissoras, com a desconstrução e reinvento de um Poder Normativo reduzido. Efetivamente, não é mais possível entender a Justiça do Trabalho com poderes iguais aos que detinha para estabelecer normas e condições de trabalho. Decidir conflito atualmente é diferente de ?estabelecer normas? conforme a redação anterior autorizava. Cresce o sindicalismo e seu papel de negociação, além de o empresariado compreender a importância da obtenção de ajustes extra-estatais. Ganha relevo a negociação direta, pontificada pela Constituição Federal desde sua promulgação, como fonte ideal a solucionar as questões do trabalho.

Até meados de agosto foram ajuizados apenas 10 dissídios coletivos no TRT da 9.ª Região, sendo que ao longo de 2006 o Tribunal Superior do Trabalho recebeu 12 dissídios coletivos.

No boletim 33, de março de 2007, ?Balanço das Negociações Coletivas de 2006, divulgado pelo Dieese, o ano de 2006 apresentou o melhor resultado desde a implantação, em 1996, do Sistema de Acompanhamento de Salários daquele instituto. O resultado positivo foi verificado na quase totalidade das 656 negociações analisadas no ano, em que 96%, no mínimo, garantiram a manutenção do poder de compra dos salários estipulada na data-base anterior a partir da incorporação do INPC-IBGE, e, ainda, 70% dos reajustamentos superaram a faixa de reposição do poder econômico representando ganhos reais.

Assim, finalmente, a meu ver, as estatísticas de redução do número de dissídios coletivos na Justiça do Trabalho são sinais do fortalecimento do sindicalismo, do amadurecimento do empresariado e mantendo-se ainda, o direito de ação, que é exercício de cidadania reservado às hipóteses de absoluta incompatibilidade à negociação direta entre os interessados.

Restaria apenas reforçar algumas premissas nesta quadra dos acontecimentos. Duas providências a experiência tem revelado serem urgentes: 1.ª a instituição expressa do princípio da boa-fé nas negociações coletivas; 2.ª a definição de que nenhuma das partes pode se recusar a participar do processo de negociação, conforme a Convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil.

E, por fim, o objetivo é conscientizar a sociedade a respeito do direito de greve, que muitas vezes atinge o nosso cotidiano, como sociedade, alcançando a zona de conforto em que nos estabelecemos, mas, como ensina Planiol: ?a negociação coletiva é inconcebível sem a pressão de greve ou de sua ameaça, como demonstra o direito comparado nas democracias. E a greve só deve terminar com a vitória ou derrota das pretensões, pela negociação, através do tratado de paz?.

À evidência, em tudo há que ser concebida com razoabilidade, afastando-se da mera banalização.

Antes de prosseguir no exame do segundo aspecto do tema proposto – as ações plúrimas e direitos difusos dos trabalhadores esclarecedor é guardar em mente que ação coletiva e ação plúrima não se confundem.

Com novas espécies de conflitos sociais os conflitos de massa , o sistema jurídico se deu conta da absoluta necessidade de efetuar a tutela jurisdicional coletiva, ultrapassada por inteiro a fase do liberalismo e individualismo jurídico, expressado na falácia de que ?o pobre e o rico têm a mesma liberdade de dormir sob a ponte?.

Explica Carlos Henrique Bezerra Leite que, ?inovando substancialmente em relação ao regime anterior, a Constituição Federal de 1988 preocupou-se não apenas com a proteção dos direitos humanos de primeira dimensão (direitos civis e direitos políticos) e os de segunda dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais), mas, concomitantemente, com a tutela dos direitos humanos de terceira dimensão, também denominados novos direitos, direitos híbridos, direitos ou interesse metaindividuais?. Por conseguinte, são direitos humanos os direitos transindividuais trabalhistas.

A tutela coletiva encontra efetivo regramento pelo ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, o sistema de acesso da tutela coletiva à justiça é disciplinado pela Constituição Federal de 1988, pela Lei da Ação Civil Pública, pelo Código de Defesa do Consumidor, pelas Leis Orgânicas do Ministério Público da União e do Ministério Público dos Estados, entre outras leis esparsas.

Esses diplomas legais tutelam quaisquer espécies de interesses, independentemente do tema em controvérsia.

No âmbito trabalhista, por inexistir legislação específica sobra a matéria, impõe-se a aplicação subsidiária desses diplomas, possibilitando, com isso, a adequada e efetiva tutela desses interesses e direitos. Deve haver a adaptação do processo do trabalho ao processo constitucional.

Especificamente no âmbito trabalhista, pode-se eleger como inequívocas vantagens da tutela coletiva, as seguintes hipóteses:

I) a busca do equilíbrio entre as partes, na autotutela. A discussão deixa de ter foco no trabalhador, tomado de forma isolada e enfraquecida, visto que a lei confere papel decisivo a determinados órgãos e entidades, principalmente os Sindicatos e o Ministério Público do Trabalho.

II) a possibilidade de prevenção ou reparação, de forma mais imediata da violação aos direitos dos trabalhadores, no curso da relação de trabalho. Sabemos, é claro, da dificuldade que tem o empregado de ajuizar ação trabalhista individual, enquanto vigente o contrato de trabalho.

III) Com a tutela coletiva há a eliminação do custo de inúmeras ações individuais, com causas de pedir repetitivas, tornando mais racional o trabalho do Poder Judiciário e o tempo da prestação jurisdicional. A circunstância de a tutela ser pleiteada em juízo pelo substituto processual de forma genérica (o sindicato representativo da categoria), sem individualização dos beneficiários e independentemente de autorização destes, ao menos reduz as possibilidade de represálias, por parte de empregador ressentido. Observe-se que não se ousa dizer que evite represálias, visto que aquele que busca a burla de direitos pode vir encontrar alternativas, tais como, a formação das ilícitas ?listas negras? ou sugerir incisivamente aos seus empregados que desistam da ação coletiva. Salienta-se, entretanto, que tal ação coercitiva viola a liberdade sindical, constituindo conduta anti-sindical, passível, o agente da conduta, de receber a sanção administrativa inscrita no art. 553, da CLT e denúncia aos órgãos competentes por ofensa à Convenção 98 da OIT.

Talvez, como aponta a doutrina, o que se perceba é que a tutela coletiva não tem sido amplamente usada para a defesa de interesses e direitos, caracterizando a ineficácia de um importante instrumento da cidadania.

Com relação à ação plúrima, o processo trabalhista encontra disposição no texto ?consolidado?, insculpido no art. 842, quanto à possibilidade de acumulação subjetiva de ações, ou seja, tecnicamente, a formação do litisconsórcio.

Ainda que envolva uma pluralidade de sujeitos, não se confunde com forma de tutela coletiva de direitos, nos moldes antes analisados. Aqui, não há substituição processual. Remanescem, os empregados, em nome próprio, defendendo os respectivos direitos. Poderiam fazê-lo individualmente, se assim o que quisessem, contudo os empregados preferiram fazê-lo em conjunto. Em resumo, ações plúrimas acolhem direitos individualizáveis, disponíveis, interesses individuais indisponíveis e interesses individuais homogêneos.

Forma-se o litisconsórcio ativo, que se diz facultativo, porque o estabelecimento desse litisconsórcio dependerá da manifestação da vontade dos autores (desde que haja ?identidade de matéria?); sendo, igualmente, considerado simples, porque a sentença não necessitará solver a lide de maneira uniforme, para todos os litisconsortes.

A lei determina que entre as ações acumuladas ou plúrimas exista identidade de matéria. Fala-se em identidade e não em igualdade.

Conforme afirma Manoel Antônio Teixeira Filho, identidade há quando ?Os fatos não são iguais, mas semelhantes; assim também os direitos invocados?.

Logo, aqui ingressa a discussão última do tema proposto acerca da tutela de interesses difusos por meio de ações plúrimas. Simplesmente é sustentável que descabe a utilização destes meios de ação para acesso à justiça, preferindo-se os inerentes à tutela coletiva. Segundo lições de Rodolfo Mancuso caracterizam-se, os interesses difusos, pela indeterminação dos sujeitos, cuja satisfação ou lesão concerne a toda a coletividade, pela indivisibilidade do objeto, indisponibilidade, por sua intensa litigiosidade interna por sua tendência à transição ou mutação no tempo e espaço.

São exemplos os referentes à tutela ao meio ambiente (incluídos cuidados com tratamento da água, ar atmosférico e o território, de acordo com o art. 225 da Constituição Federal). Para fins de relações de trabalho podemos inscrever a exigência de condutas preventivas, como o direito à elaboração de normas de segurança, saúde e desenvolvimento sustentável, adoção de práticas e desenvolvimento de equipamentos de proteção individual para redução de índices de acidentes, ferimentos e doenças do trabalho, estímulo à pesquisa e banimento de elementos químicos ou minerais nocivos, por vezes causadores de danos irreversíveis, fomento à educação e treinamento qualificador, a fim de reciclar e atualizar o trabalhador em novas técnicas e tecnologias seguras para si e para o meio ambiente, como a acomodação adequada de detritos tóxicos.

Denota-se que a fruição de tais direitos jamais ocorre a título exclusivamente individual, pois sua violação ofende direito de todos dispersos em amplos agrupamentos, mesmo para além das relações de trabalho. Assim, sua tutela, que é coletiva, pode ser conferida a Sindicatos, órgãos públicos ou Ministério Público.

Concretizando hipótese de direitos difusos muito próprios à Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Paraná, temos a exigência no melhoramento da malha viária, das condições de segurança, sinalização e circulação dos veículos nas estradas públicas. Neste exemplo, recairia legitimidade ativa à Federação ou aos Sindicatos congregados na categoria, para promover Ação Civil Pública, nos termos da Lei n.º 7.347/1985, em face do poder público responsável pela manutenção das estradas. É viável identificar-se neste exercício exemplar, que os objetivos transcendem os interesses dos trabalhadores atingindo toda a comunidade, no entanto, são inerentes, sem discussão, ao seu cotidiano seguro de trabalho.

Conclusão.

Ressalto a importância dos debates, em especial quanto à negociação coletiva e ao manejo das ações coletivas, posto que aí repousa, a meu ver, o futuro das relações entre o capital e o trabalho e a solução para a crise, se assim se pode dizer, do Poder Judiciário. Relembro Dalmo Dallari, quando assinalou com precisão, há cerca de dez anos, que o Judiciário era um Poder fora do tempo. Isto porque concebido e instrumentalizado para uma outra realidade, a do século XIX.

Um novo tempo, contudo, cria novas demandas e exige novas soluções, a que estamos todos dispostos.

Rosalie Michaele Bacila Batista é desembargadora vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná. Palestra inaugural do V Seminário Jurídico e de Dirigentes Sindicais Rodoviários do Estado do Paraná, proferida em 31 de agosto de 2007.

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