Condenado a dois anos, preso há 6

“Que essas artes do demônio processualista, como as deste caso, não prosperem no latifúndio de Thêmis” (deusa da Justiça, encarnação da Lei). Com esta observação, o vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, determinou, em liminar, liberdade imediata para Jonas de Jesus Santos, do Distrito Federal. Ele foi preso em flagrante no Varjão do Torto, no dia 14 de outubro de 1996, com 1,2 g de merla e está cumprindo pena até hoje, por causa de duas condenações que não chegavam a dois anos.

“A latinha de cor prateada, tipo viquevaporubi, com um grama e dois decigramas de merla, uma meleca pastosa com resíduo de cocaína, que acabara de comprar de João Batista, 40 anos, por cinco reais, no Varjão do Torto, DF, foi a senha que acabou levando Jonas de Jesus, 30 anos, conhecido como Joaninha, à cadeia e ao labirinto processual em que está, meio perdido, sem conseguir uma réstia de luz lhe apontando uma porta ou uma janela, quem sabe, para a liberdade”, afirmou o ministro em seu relatório.

João Batista, tido como traficante, foi solto mediante fiança de R$ 42,00 (quarenta e dois reais). Joaninha, desempregado, sem carteira de identidade, semi-analfabeto, ficou porque havia contra ele um mandado de prisão, datado de 12 de março de 1996, por causa de uma condenação a nove meses de detenção, em regime aberto.

“O juiz das Execuções, considerando que não há ainda em Brasília, `estabelecimento adequado para o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto (art. 93, da LEP), resolveu mandar soltar Joaninha”, relata o ministro. “Depois de ouvir uns conselhos, assumir compromissos de ser bom rapaz, mediante fiança, em 16 de outubro de 1996, pagou R$ 42,00 (quarenta e dois reais) e foi embora”.

Quanto ao novo processo, pelos cinco reais (R$ 5,00) de merla, deveria responder em liberdade. “Semi-analfabeto, deprimido e com medo, Joaninha não entendeu direito”, continua o vice-presidente. “Quando mandaram citá-lo, em 11 de novembro de 1996, para comparecer aos autos desse dito processo, apavorou-se e sumiu. Quebrada a fiança, mandaram prendê-lo e quando o acharam, em 31 de janeiro de 1997, já estava acusado de outros delitos”. Foi condenado, então, a um ano e dois meses no regime semi-aberto pelos crimes de roubo, lesão corporal, homicídio tentado e, claro, ter sido pego com merla.

A Defensoria Pública recorreu da sentença, alegando “dupla exasperação”, pois o juiz considerou-o reincidente no crime da lei antitóxicos, o que não era verdadeiro. O Ministério Público pleiteou progressão prisional em favor de Joaninha diretamente no Juízo das Execuções. “Mais um engasgo processual”, lamentou o ministro. “Joaninha assinou um papel no cartório desistindo do seu direito de recorrer contra a condenação. Lógico que foi uma cilada e ele, analfabeto em Direito, assinou”. Como existe Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entendendo que se o réu desiste antes da interposição do recurso não há nada a fazer, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal não conheceu do recurso criminal interposto pela Defensoria. Que recorreu, então, ao STJ.

“Quem, afora nós, contribuintes, vai pagar a indenização pelo erro judiciário de se manter preso, além da conta, por mais de cinco anos, um acusado com uma condenação de nove meses no regime aberto e outra, ainda sem trânsito em julgado, a um ano e dois meses de detenção, no regime aberto semi-aberto, por causa de cinco reais e um grama de merla?”, questionou o ministro.

Para Edson Vidigal, esta é mais uma prova do quanto o sistema judicial do País é injusto. “Para os delinqüentes de menor potencialidade ofensiva, como este Joaninha, tudo o que, pelo princípio constitucional da igualdade, deveria ser para todos – prisão em flagrante, inquérito na polícia, denúncia do Ministério Público, sentença condenatória, cadeia e nada de recurso contra a sentença, habeas-corpus nem falar”, observou. “Exceções clamorosas, no entanto, vicejam à margem das leis, das nossas instituições de segurança, do Ministério Público e do Judiciário. Na lavagem de dinheiro, nos propinodutos, nos desvios do Sistema Único de Saúde, da merenda escolar, do Fundo de Participação dos Municípios, por exemplo”, criticou.

Ao conceder a liminar, o vice-presidente considerou que estão presentes os indissociáveis pressupostos para a concessão da liminar – fumus boni juris e periculum in mora. “Pelo tempo de mais em que está na cadeia confrontado com o tempo a menos a que foi sentenciado, Joaninha de há muito que deveria estar solto”, finalizou Edson Vidigal.

Joaninha deverá ficar em liberdade pelo menos até o julgamento do mérito do habeas-corpus pela Quinta Turma. O relator é o ministro Gilson Dipp.

Processo

: HC 23045

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