Compensação de honorários

Ad argumentandum tantum: “condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que, na forma do § 4.º, do artigo 20, do Código de Processo Civil, fixo em R$ 5.000,00, cabendo ao Requerido o pagamento de 20% e ao Autor o pagamento de 80% de tais verbas sucumbenciais, as quais deverão ser compensadas”.

Ora, prescreve a Lei n.º 8.906, de 4/07/1994 (EAOAB), mais precisamente em seu art. 23, que os honorários incluídos na condenação pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, de modo que ninguém deles pode dispor.
O juízo monocrático, entretanto, no exemplo epigrafado, dispôs de 20% dos honorários (sobre os 80%) do advogado do Requerido, mediante compensação, extinguindo o direito deste, até esse montante. Fê-lo em favor do sucumbente (Autor).

O direito de receber e/ou executar a integralidade dos honorários de sucumbência está assegurado no § 3.º do art. 24 do EAOAB, porque nula disposição que deles se faça em contrário.

A disposição contrapõe-se ao art. 21 do CPC que fala em compensação dos honorários na hipótese em que cada litigante for, ao mesmo tempo, vencedor ou vencido.

Nesse aspecto, porém, a lei processual civil é bem anterior (1973) à que regula o exercício da advocacia (1994).

Em sendo assim, há de prevalecer a lei nova no tocante, por força do §1.º do art. 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil, face à incompatibilidade entre a compensação (art. 21, 2.ª parte, do CPC) e o direito integral aos honorários de sucumbência (art. 23 EAOAB) de quem nada deve às partes em litígio.

É verdade que a jurisprudência dominante faz prevalecer, nessas hipóteses, a Súmula n.º 306 do Superior Tribunal de Justiça(1), sem possuir, entretanto, força vinculante, o que permite discutir a matéria.

Em que pese isso, segundo PAULO LUIZ NETO LOBO:(2)

“O direito ao recebimento dos honorários de sucumbência é indisponível, não podendo ser objeto de negociação em contrário”.

Com efeito, se os honorários de sucumbência pertencem ao advogado e não ao seu constituinte, tanto que pode cobrá-los na respectiva ação, em nome próprio, não se concebe que outrem possa deles dispor como, in casu, mediante compensação com fulcro no art. 21 do Código de Processo Civil. Afinal, compensação só pode dar-se entre credor e devedor recíprocos, sendo certo e evidente que os advogados das partes que a sofrem, compulsoriamente por determinação judicial, não são, entre si, credor e devedor; não existe entre eles qualquer relação de ordem obrigacional.

Os advogados têm direito autônomo aos honorários de sucumbência contra a parte adversa e não contra o colega da relação processual.
A compensação de que se trata subverte, no fundo e na forma, o instituto da compensação (art. 368 do CCiv.),(3) modo indireto de extinção das obrigações. Um dos requisitos da compensação ut CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA é a inexistência de direitos de terceiro sobre as respectivas prestações.(4)

A concepção de que o direito autônomo do advogado aos honorários de sucumbência se restringe ao que sobeja (saldo) da compensação (?) ressente-se de lógica e de bom senso. O direito autônomo de que se trata passa a ser condicionado a uma eventualidade: a de que não haja um reciprocidade na sucumbência das partes. Condição que desnatura ou contingencia o direito proclamado autônomo, puro e simples.
É, pois, de se perguntar qual a diferença, sob o aspecto da propalada autonomia, entre os honorários de uma sucumbência plena ou parcial. Seriam mais qualificados, mais tutelados aqueles do que estes últimos? Seria um direito, na primeira hipótese, dotado de plena eficácia e exigibilidade, e, na segunda, direito de limitada eficácia e exigibilidade ou, até … de nenhuma exigibilidade, totalmente inócuo, quando de sucumbência recíproca em 50%.

Mas o que mais intriga, nessa questão, é que os honorários compensados não podem ser cobrados da parte e muito menos do outro advogado, já que a compensação é extintiva.

Faz-se cortesia com o chapéu alheio. Beneficia-se a parte vencida com a compensação como no caso sub censura, haja vista que o condenado a pagar 80% dos honorários fixados na sentença, só pode ser compelido a 60% porque a outra parte foi condenada em 20% a esse título, sem que ele, o outro devedor, possa ser compelido a pagar esses 20% ao advogado adverso. Apropria-se, em verdade, desses 20% sem uma causa justa, verdeira enriquecimento ilícito (art. 884 do CCiv.).

Vale, aqui, a lembrança de que non omne quod licet honestum est.

Por isso mesmo, diante de tal ilogicidade do art. 21 do CPC, veio a lume a Lei n.º 8.906/94 (EAOAB) para corrigir a anomalia e restaurar a pureza do conceito do que seja compensação, assim também o direito integral do advogado de receber os honorários da sucumbência data venia da Súmula n.º 306 do STJ.

Apesar dessa Súmula, há, a respeito do que se está a arrazoar, síntese preciosa da Terceira Turma do STJ, de 9/11/2000, da lavra do Ministro ARI PARGENDLER, no REsp. 256822/SP:

“PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. DIREITO AUTÔNOMO.Os honorários de advogado constituem direito autônomo do advogado, sendo insuscetíveis de compensação. Recurso especial conhecido e provido em parte”.

O Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil em curso, a respeito faz cessar tudo o que a antiga musa canta, ao dispor em seu art. 73, § 11, ipsis verbis:

“Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, tendo os mesmos privilégios oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência recíproca”.

Bastaria suprimir (revogar) a 2.ª parte do art. 21 do CPC, mas, de qualquer forma: quod abundat non nocet.

Pois bem enquanto o letárgico legislador não pacifica a questão, o advogado deve pugnar por seu inalienável direito alimentar de percepção integral dos honorários de sucumbência. É o 4.º mandamento: lutar pelo direito.

Notas:

(1) “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”.
(2) Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB, Brasília Jurídica, l994, p. 97.
(3) “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.
(4) In Instituições de Direito Civil. Forense, RJ, 1999, vol. II, 18.ª ed., p. 169.

Wilson J. Comel é advogado junto a Comel, Baggio e Malucelli Advogados Associados – escritório em Ponta Grossa. Membro do Instituto dos Advogados Paraná. Ex-conselheiro estadual da OAB/PR. Professor aposentado de Direito Civil da UEPG.

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