Como Quem Risca a Pedra, uma saga de meninos

A vida brasileira sob o regime militar vista pela trajetória de um grupo de meninos sonhadores e rebeldes da Curitiba do final dos anos 60: este é o resultado do romance Como Quem Risca a Pedra, que Paulo Sá Brito lança no próximo dia 3, às 19 horas, na livraria Dario Velozo, no Largo da Ordem. Nada, é verdade, que se assemelhe à memorialística convencional sobre os anos de chumbo no Brasil. Não há tese a ser defendida, não há exame político ou sociológico, apenas um olhar ficcional a respeito daqueles tempos bicudos, uma história que tem como virtude suprema representar os sentimentos, anseios, as fantasias e decepções de uma geração de brasileiros e brasileiras que, em meio aos libertários anos 60, insurgiram-se contra a ditadura em seu país.

Como Quem Risca a Pedra é uma saga de meninos, de um tempo em que meninos indagavam obstinadamente para muito além das preocupações comezinhas. Com escritura delicada, Paulo Sá Brito resgata-os da opacidade do passado, dos escaninhos de sua própria memória, livra-os da poeira, injeta-lhes um sopro de vida para colocá-los em movimento, fazer explodir nas páginas desse romance singelo e comovente o mosaico das suas inquietudes adolescentes, das paixões políticas, da larga devoção à poesia e dos ardores amorosos que os fizeram pulsar como pulsava e com que intensidade a época em que foram jovens, os anos 60.

Os meninos surgem, então, enfurnados em velhos sótãos, urdindo conspirações, escalando montanhas, escrevendo versos, varando madrugadas em intermináveis conversas filosóficas, tecendo, enfim, a carpintaria da vida. Generosos, solidários, quase monumentais nas projeções do mundo novo em que ansiavam poder viver como homens feitos. E a radicalidade com que sonhavam e amavam, em favor de sua utopia essencial, levou-os a defrontar-se com o tacão cruento, impiedoso do regime militar instaurado no Brasil em 1964.

A saga dos meninos de Como Quem Risca a Pedra é, sobretudo, uma afirmação do humanismo e, como tal, constitui-se num libelo incisivo contra o espírito mercantilista que se alastra pelo ambiente moral e existencial deste tormentoso início de século. E lança um facho de luz mais do que oportuno sobre a idéia afinal imorredoura, a despeito dos reveses -de construção da utopia humanista.

Serviço Como Quem Risca a Pedra. Romance de Paulo Sá Brito. Editora Garapuvu – 168 págs. R$ 20. Lançamento no dia 3, às 19 h, na livraria Dario Velozo, no Largo da Ordem.

Luiz Manfredini é jornalista e escritor.

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