Civil. Ação de indenização. Saque de importância de correntista, com uso de cartão magnético. Falta de precaução do titular e negligência do banco. Concorrência de culpas.

RECURSO ESPECIAL N.º 235.385/SP

Rel.P/Acórdão: Min. Aldir Passarinho Junior

EMENTA

Situação em que se identifica, com base no voto médio, a concorrência de culpas da autora e do banco, a primeira por entregar o cartão e informar senha a pessoa amiga, que permitiu o acesso a terceiro sobre os dados sigilosos, e do réu por atuar negligentemente quando da solicitação, pelo fraudador, via telefônica, da transferência de valores da conta de poupança para a corrente, o que viabilizou a retirada subseqüentemente.

II. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido, para condenar o réu a ressarcir à autora metade dos danos apurados.

(STJ/DJU de 01/07/04)

E.C.M. ajuizou ação de indenização contra o “Banco do Brasil S/A”, sob as seguintes alegações:

Em 15.3.1995, cedeu seu cartão bancário e senha a Greyce Roland Magalhães Stabile, a fim de que esta obtivesse um extrato de sua conta-corrente; dentro da agência bancária, um indivíduo aplicou na Sra. Greyce Stabile o chamado ‘golpe do cartão’, vindo a trocar os dois cartões que ela portava, além de observar a senha de ambas as contas, da autora e da própria Greyce; na mesma data, por telefone, o estelionatário solicitou do Banco a transferência de R$ 11.300,00 (onze mil e trezentos reais) da conta poupança para a conta-corrente da autora; em seguida, na agência de Uberaba o desconhecido sacou R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 6.000,00 (seis mil reais); o estelionatário efetuou também saques de parte do limite de cheque especial da autora, além de alguns valores em caixas eletrônicos. Buscando haver o ressarcimento correspondente aos valores indevidamente sacados, argüi a responsabilidade do Banco réu pelos eventos que lhe causaram prejuízo, alegando que a instituição, através de seus prepostos, não agiu com cuidado e diligência necessários para permitir transferências e saques de valores, por pessoa não autorizada, com uso de cartão magnético.

Julgada improcedente a ação em 1.º grau, a Terceira Câmara do 1.º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, à unanimidade de votos, negou provimento ao apelo da autora, prejudicados o recurso adesivo e o agravo retido, em Acórdão cujos fundamentos se resumem na seguinte ementa:

“Responsabilidade Civil. Cartão magnético de movimentação de contas bancárias. Perda para estelionatário, que causa saques em prejuízo do correntista. Nenhuma a responsabilidade do Banco. Culpa exclusiva do correntista, que permitiu o uso do cartão por terceiro que, por sua vez, foi vítima do ‘golpe do cartão’. Negligência in vigilando. Apelo improvido, não conhecidos o adesivo e o agravo retido.” (Fl. 248).

Rejeitados os declaratórios, a autora manifestou este recurso especial com arrimo nas alíneas ‘a’ e ‘c’ do permissor constitucional, apontando afronta aos arts. 1.265 e 1.266 do Código Civil, além de dissídio jurisprudencial. Aduziu que, como correntista do Banco, com ele celebrou verdadeiro contrato de guarda e depósito e que a instituição financeira, ao permitir que terceiro não autorizado se apossasse do bem depositado (seu dinheiro), agiu com imprudência e negligência. Ao final, pugnou pela inteira procedência da ação, condenando-se o recorrido à indenização do total dos prejuízos causados pelo estelionatário ou, alternativamente, pela condenação do Banco ao pagamento da metade dos prejuízos advindos, reconhecendo-se, no mínimo, a sua culpa concorrente no evento danoso.

Admitido na origem, o recurso especial veio a ser provido, em parte, e por maioria de votos pela Quarta Turma, relator o ministro Aldir Passarinho Júnior para reconhecer situação de culpa concorrente, condenado o Banco a ressarcir à autora metade dos danos apurados.

Consta dos votos vencedores:

VOTO-MÉRITO

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

Srs. Ministros, peço vênia aos eminentes Ministros Relator e Cesar Asfor Rocha para conhecer em parte do recurso e lhe dar provimento, uma vez que o banco agiu com negligência ao permitir, por telefone, o saque de R$11.300,00 (onze mil e trezentos reais) da conta poupança, sem acautelar-se com as informações sempre solicitadas nessas ocasiões, necessárias para individualizar a pessoa que estava expedindo a ordem, precauções ainda mais necessárias por se tratar de conta poupança. Foi em razão dessa transferência de numerário que o desconhecido conseguiu sacar os R$ 11.000,00 (onze mil reais) referidos no relatório. Isso significa a culpa da instituição financeira e, nesse ponto, penso que procede a ação de indenização proposta pela ora recorrente, a qual julgo procedente em parte para deferir o pedido de devolução desse valor de R$ 11.300,00 (onze mil e trezentos reais), retirado de sua conta poupança. Além disso, a subtração do cartão e da senha ocorreu no recinto da agência, o que também é causa da responsabiidade do banco. Isso posto, conheço do recurso por ofensa ao art. 1.266 do Código Civil e lhe dou parcial provimento, custas por metade e honorários de 10% em favor da autora.

RETIFICAÇÃO DE VOTO

Exmo. Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Presidente): Srs. Ministros, pedindo licença ao Sr. Ministro Barros Monteiro, reconsidero o meu voto, para acompanhar o Sr. Ministro Aldir Passarinho Júnior.

Considerando as peculiaridades da hipótese, como bem destacou S. Exa., entendo que houve concorrência para o fato objeto desse litígio, de maneira que os prejuízos devem ser suportados por cada um, meio a meio.

VOTO

Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Coloco-me em uma posição intermediária, rogando vênias, ante os fatos trazidos à colação no acórdão estadual e ressaltados pelo eminente relator e demais pares.

É que, em minha compreensão, as duas partes agiram com imprudência e negligência.

A autora, por confiar a terceira pessoa, que se deixou enganar ou não soube tomar as precauções necessárias na manipulação de cartão bancário, e o estabelecimento réu, que não foi diligente com a tomada de informações sobre a pessoa do sacador, como demonstrado no voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar.

Em tais circunstâncias, estou em reconhecer a concorrência proporcional de culpas, conhecendo em parte do recurso especial e dando-lhe parcial provimento, para condenar o réu a ressarcir a autora em metade dos danos apurados.

Custas e honorários reciprocamente compensados.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

Sr. Presidente, peço vênia aos Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha para acompanhar V.Exª. Quer-me parecer que a responsabilidade do banco, quanto aos valores levantados por quem subtraiu o cartão criminosamente, deve-se à circunstância de o banco não ter tido a devida cautela na transferência do numerário da conta-poupança para a conta-corrente.

Ademais, tenho para mim que o ato de deixar o cartão com um amigo ou amiga de extrema confiança, por si só, não gera culpa da parte do titular do cartão.

Também conheço em parte do recurso e, nessa parte, dou-lhe provimento.

Decisão por maioria, votando com o relator os ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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