Cidade democrática

O Brasil é um Estado Democrático de Direito que, segundo José Afonso da Silva, é aquele em que busca uma convivência social de liberdade, justiça e solidariedade, com o poder emanado do povo, em proveito do povo e com a participação do povo, pressupondo “o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade”, e sempre em prol do interesse social.

Diante dos princípios constitucionais e pela própria formação do Estado brasileiro advém esta democracia representativa e participativa, na qual é da vontade geral que exista participação popular nos processos políticos. Nas cidades brasileiras, local mais próximo da realidade popular, a democracia não pode deixar de seguir estes preceitos constitucionais elencados pelo Poder Constituinte Originário.

A democracia participativa permite que o povo apresente diretamente a sua intenção sobre o andamento da ordem pública, seja por iniciativa legislativa, seja por meio de controle dos atos administrativos ou por consulta popular e audiências públicas. A Constituição garante esta democracia por seus princípios e a legislação infraconstitucional a exige. Tal ocorre diretamente aos municípios da Federação por meio do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2002) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000), dentre outras.

Em termos de democracia participativa o Estatuto da Cidade é a mais primorosa lei brasileira, a qual visa proteger os interesses de todos os munícipes, em busca da justiça social e do bem-estar comum. E nesta Lei a participação popular, seja direta ou indiretamente, faz parte integrante da efetivação dos princípios e concretização dos seus objetivos. Esta participação, inclusive, é obrigatória e imposta sob pena de responsabilidade do administrador.

O artigo 2.º do Estatuto apresenta as diretrizes gerais da política urbana, as quais todos os administradores deverão seguir na gestão municipal. Seus incisos II e XIII apresentam o princípio de forma explícita, obrigando o administrador a atuar sempre voltado para a participação popular.

O que deve ficar claro é o fato de que este princípio não é inserido na norma legal apenas para enfeitá-la, ou para dar a esta norma um ar romântico de democracia pura. É um princípio normativo, que tem sua aplicabilidade forçada, sob pena de incorrer em responsabilidade aquele que o ignore e não o aplique. Inclusive, sob pena de nulidade do ato administrativo realizado em desconformidade ao rigor legal.

É da determinação legal que se realizem audiências públicas sempre que sejam tratadas questões referentes à “execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (inc. II), assim como da “população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população e as normas ambientais” (inc. XIII).

Veja-se, então, que em muitas das atividades desenvolvidas pelo administrador e que tenham alguma relevância para a população, em geral ou diretamente envolvida, este terá que praticar a consulta popular. Consulta, esta, que não poderá ser praticada da forma já conhecida em certas Agências Reguladoras do governo federal, que marcam tais audiências às escuras, apenas para burlar as normas que as criaram e as obrigam.

Exemplo claro do que determina o Estatuto é a construção de determinado megashopping Center que se encontra em construção em um bairro nobre de Curitiba. Há a existência de uma única via de acesso para este empreendimento. Conseqüentemente, o que se espera é um excessivo fluxo de automóveis naquela região. Por outro lado, espera-se por uma grande valorização dos imóveis localizados nas suas redondezas. Por meio de consulta aos moradores prejudicados (ou beneficiados) é que a Prefeitura da cidade poderia apresentar o respectivo alvará de licença para a construção e para o posterior funcionamento do estabelecimento.

Deste exemplo, não foi realizada a obrigatória consulta; que o diga este que escreve, que é residente na região e que se sente amplamente prejudicado com a megaobra. Agora, trata-se de questão judicial, onde poderão ser responsabilizados todos os envolvidos na negligência aos ditames legais, em prol do capitalismo desenfreado.

Questão é que o povo deverá exercer incondicionalmente o seu poder de controle externo, formando associações de bairro ou regiões, para que ganhe a força suficiente para lutar em prol da democratização da cidade. E nada é mais justo que isso, já que é este povo o habitante da cidade e o maior interessado na sua preservação e melhoria.

Giovani Zilli

é advogado em Curitiba –
PRzilli@fleischfresser.adv.br

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