Choque corporativo

A política econômica do governo revela inquietantes rugas numa superfície que se julgava a salvo de quaisquer atropelos. Contudo, até os menos familiarizados com a variedade de matizes que entram na composição de um organismo corporativo como o aparelho de Estado, por exemplo, compreendem que é impossível manter o equilíbrio desejável, por todo o tempo, entre convicções não raro antitéticas.

Destarte, o ministro Guido Mantega não pôde contornar o desígnio de substituir o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, nomeando para ocupar o posto o até então secretário-executivo, Bernardo Appy. Para essa vaga, Mantega recrutou o técnico federal de carreira Nelson Machado, ex-ministro da Previdência Social, a quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rasgara elogios no recente improviso pronunciado na cerimônia de posse dos novos ministros.

O motivo da saída de Almeida não foi outro senão as pesadas críticas que fizera em entrevista a O Estado de S. Paulo à política do Banco Central, sobretudo aos juros altos e suas conseqüências na apreciação do real frente ao dólar norte-americano. A entrevista foi publicada na edição da última terça-feira, mas, de acordo com a versão de Mantega, o ex-secretário lhe entregara o pedido de exoneração na noite anterior.

É provável que o ex-secretário tivesse ciência do mal-estar que a entrevista causaria à equipe econômica e, por esse motivo, antecipou o pedido de desligamento do governo. Essa, porém, poderá ter sido a versão para o público externo, havendo os que prefiram acreditar que ao ministro da Fazenda não restou alternativa senão a exoneração do auxiliar.

Na nota referente à exoneração, politicamente correta, o ministro Guido Mantega se esmerou em respeitar opiniões pessoais, exaltando os ?relevantes serviços prestados por Gomes de Almeida?. Dentre eles, ao que parece, não houve espaço para sua declarada aversão à política de juros altos e valorização cambial, instrumentos que a seu juízo estão contribuindo para transformar ?a indústria em pó?.

O ex-secretário citou textualmente as indústrias de vestuário e calçados, que juntas já demitiram 350 mil trabalhadores.

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