Células-tronco

O Brasil é um Estado laico. Apesar da maioria católica da população, não se há de misturar Estado e Igreja, mesmo porque existem em nossa população seguidores de vários credos. E são poucos os próprios católicos que seguem à risca os mandamentos de sua igreja, pois é comum os que declaram professar a religião apenas formalmente. Na prática, a misturam com outros credos ou nem mesmo seguem as regras básicas exigidas de um verdadeiro fiel.

Não obstante, a prevalência da Igreja Católica tem conquistado privilégios. Exemplo são os feriados religiosos chancelados pelo Estado, quando o mais lógico seria que fossem seguidos apenas pelos católicos. Essa realidade pouco preocupa. Ou melhor, preocupa só agora, quando o Supremo Tribunal Federal julga a legitimidade das pesquisas com células-tronco.

O assunto é da maior relevância, pois a liberação dessas pesquisas dá ao mundo científico liberdade para buscar cura para várias doenças degenerativas, que são aflitivas e sem cura a não ser através da hipótese de pesquisas avançadas com células-tronco.

A legislação cuja constitucionalidade está sendo discutida confronta a noção do surgimento da vida humana com a fecundação e a de que ela só existe quando há viabilidade de gestação. E gestação não haverá quando se tratam de células congeladas há mais de três anos, prontas para descarte e que jamais gerariam vidas humanas.

O julgamento da matéria, já começado no Supremo, tende a ser histórico. Revela um confronto entre convicções científicas e posições religiosas, o que é lamentável, porque assunto de tal relevância precisa ser tratado com objetividade, em busca dos melhores resultados para aqueles que poderiam se beneficiar do uso dessas células em pesquisas. E não pode ignorar a separação existente entre a Igreja e o Estado brasileiro.

O relator da matéria, ministro Carlos Ayres Britto, prolatou parecer favorável às pesquisas com células-tronco. Produziu uma longa peça jurídica que mereceu, desde logo, votos favoráveis de outros ministros, inclusive da presidente daquela corte suprema, ministra Ellen Gracie.

A tendência, segundo observadores, é a liberação das pesquisas, mas o assunto foi adiado em razão de um pedido de vista do ministro Menezes Direito, ligado a movimentos católicos. Esse pedido de vista adia por um prazo legal máximo de 30 dias o julgamento final, mas na prática esse limite não costuma ser obedecido. Muitos juíszes pedem vista e ultrapassam o prazo máximo, fato que preocupou a presidente do Supremo Tribunal Federal, que fez um apelo pela urgência, lembrando que o assunto está em julgamento há mais de três anos.

A ministra presidente tem pressa. Mas, mais pressa têm os doentes em cadeiras de rodas que assistiram, de corpo presente, os debates e os muitos que, à distância, vêem na liberação das pesquisas uma esperança de cura de seus males. É hora de afirmarmos a separação efetiva da Igreja e do Estado. A religião, ou melhor, as religiões, devem ser componentes importantes na formação da cultura de um povo e o nosso prima pela profusão de crenças.

O que não pode continuar é a colocação, com primazia sobre interesses legais, científicos ou mesmo técnicos, de posições religiosas, a menos que queiramos, como ocorre em muitos países islâmicos, fundir a religião com o Estado, o poder em mãos do clero e as leis religiosas prevalentes sobre todo e qualquer movimento laico, mesmo que representativo de progresso.

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