Castelo de Areia: agiu corretamente o STJ?

Castelo de Areia, para lembrar o leitor, foi o nome dado à operação da Polícia Federal que investigou executivos da construtora Camargo Corrêa, acusados de lavagem de dinheiro, crimes financeiros, fraudes a licitações, pagamentos de propinas e doações ilegais a políticos. Essa operação foi realizada pela Polícia Federal em março de 2009 e visava apurar eventuais crimes praticados por doleiros, políticos e executivos de empreiteira. Esse assunto teve seu desfecho (quase que) final com a decisão recente (de 05/04/11) da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Pela maioria dos seus ministros, o STJ entendeu que a decisão da justiça federal de São Paulo, que determinou a quebra de sigilo dos investigados (executivos da Camargo Correa), com base em denúncia anônima, era irregular.

Ainda para esclarecimento ao leitor, referida decisão não é definitiva, pois poderá ser modificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde que haja recurso por parte do Procurador-Geral da República (Ministério Público Federal).

Conforme amplamente divulgada pela imprensa, três dos ministros da 6ª Turma do STJ, em julgamento de Habeas Corpos (HC) interposto por executivos da construtora Camargo Correia, determinaram o trancamento da ação penal. O fundamento, em síntese, foi que a prova para a determinação da quebra do sigilo de referidos empresários (réus no processo) teve origem a partir de denúncia anônima, sem o reforço de outras provas/indícios, o que fere direitos fundamentais dos acusados.

O voto vencido foi do ministro Og Fernandes, que sustentou que a operação não teve início com base exclusivamente em denúncia anônima, como alega a defesa. De acordo com o ministro, depois da denúncia, houve diligências preliminares feitas por autoridades policiais antes da instauração do procedimento de investigação e dos consequentes pedidos de escutas e de quebra de sigilos dos investigados.

O Ministério Público Federal, secundado pelo seu Procurador-Geral, insiste na hipótese de que a escuta telefônica não foi a única prova a autorizar o pedido de quebra de sigilo.

Como se observa, um mesmo quadro (conjunto de provas incorporado aos autos) permite interpretações diametralmente diversas. Isso é natural, sobretudo na seara do direito, pois neste campo (como acontece em toda área das ciências humanas) nem sempre dois mais dois são quatro, ou seja, nada é absoluto. Tudo depende de interpretação, porém sem se afastar do razoável sob o ponto de vista fático-jurídico. Até ai, nada a se contestar.

Contudo, o leitor quer saber, nesse caso concreto, qual das posições é a mais razoável ou aceitável. Como não conheço o conteúdo dos autos, peço escusas ao leitor para refletir sobre o julgamento em duas vertentes (hipóteses).

Se a denúncia anônima foi o único elemento que autorizou a justiça a decretar a quebra do sigilo telefônico dos acusados, a razão está com os ministros que votaram pelo trancamento da ação penal. Isso porque uma denúncia anônima (salvo em caso de sequestro ou outro crime grave onde se exige urgência, que não é a hipótese), conquanto permita o início de investigações, por si só, não pode dar sustentação a quebra de direitos fundamentais, principalmente em respeito aos princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana.

Se o quadro for este, a razão está com Márcio Thomaz Bastos, ao considerar a decisão como “uma vitória do processo penal do Estado de Direito democrático”, e com Luiz Flávio Gomes, quando afirma que “A jurisprudência tanto do STJ quanto do STF não permite esse tipo de procedimento. Isso é proibido. É que as provas não podem ser colhidas a todo custo. A polícia e a Justiça não podem atuar como bem entendem”.

Agora, se o quadro for o descrito pelo ministro vencido em seu voto e ratificado pelo Ministério Público Federal, de que havia outra prova (delação premiada…), a decisão mais razoável seria a co,ntinuação da ação penal e não o seu trancamento, como entenderam os ministros vencedores.

Resta aguardar a decisão final que, provavelmente, será proferida em breve pelo STF e espera-se que seja a mais condizente com o direito.

José Carlos de Oliveira Robaldo é Procurador de Justiça aposentado. Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. Professor universitário. Representante do sistema de ensino telepresencial LFG, em Mato Grosso do Sul. Ex Conselheiro Estadual de Educação. Sul. e-mail jc.robaldo@terra.com.br

(Artigo publicado originalmente no site IPC/LFG)

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