Luiz Flávio Gomes

Caso Polanski: sucesso + falta de ética = insucesso

Se você é uma pessoa de sucesso (alcançou o objetivo que você queria em sua vida) mas viola (ou violou) preceitos éticos elementares da nossa cultura, você não é um sucesso sustentável, ao contrário, você é, do ponto de vista ético e sociohumanístico, um insucesso.

Vamos refletir, em seguida, sobre alguns desses casos de sucesso (mas que, banhados da falta de ética elementar, são um insucesso no plano evolutivo e humanístico).

Vejamos: o que existe em comum nas histórias de vida do cineasta Roman Polanski, do Ministro da Cultura da França Frédéric Mitterrand, do astro Michael Jackson e de alguns padres católicos que tiveram implicações pedófilas? Todos são (ou foram) um sucesso (alcançaram um determinado objetivo), mas violaram regras éticas muito básicas da nossa atual sociedade.

O cineasta (franco-polonês) Polanski foi preso na Suíça, em Zurique, a pedido dos Estados Unidos. Por quê? Porque além de ser um cineasta de grande renome (um diretor de cinema fantástico), que fez tanto sucesso com filmes como O pianista, acabou se envolvendo, em 1977, em Hollywood, com o estupro de uma menina de treze anos de idade.

Ficou foragido durante trinta e dois anos mas, agora, acabou sendo preso. Ele admitiu ter cometido o delito e que depois fugiu da Califórnia, antes mesmo de terminar o processo criminal instaurado.

Frédéric Mitterrand, sobrinho do ex-Presidente francês François Mitterrand, é um escritor e atual Ministro da Cultura da França. Frédéric era um socialista, deixou seu partido para ser Ministro de Sarcozy.

Consoante denúncia da filha do ultra-direitista Jean Marie Le Pen, Marine Le Pen, em 2005 Frédéric publicou um livro autobiográfico (La Mauvaise vie A vida má, a vida errática) no qual confessa ter ido à Tailândia para praticar sexo com jovens meninos de Bangkok.

No livro ele enaltece “todo o ritual de uma feira de compra sexual, um mercado de escravos, que lhe excita extraordinariamente”. Estando agora a França numa luta ingente contra o turismo sexual, sobretudo o infantil, é lícito que seja seu Ministro da Cultura alguém que já confessou ter satisfeito sua libido dessa maneira? (essa é a pergunta que estão fazendo, dentre outros, os ultra-direitistas e alguns socialistas).

Num programa de televisão (como bem esclareceu Mario Vargas Llosa, El País de 28.10.09, p. 25), Frédéric teria dito que cometera um erro, não um delito. Que não é pedófilo, sim, homossexual. Que homossexualismo não se confunde com pedofilia etc.

Michael Jackson, na sua vida artística, foi uma figura de proa, singular, excepcional e talvez único: é considerado o rei do pop (e é muito provável que não apareça concorrente no mesmo nível tão cedo).

Mas também teve, ao mesmo tempo, uma vida privada conturbada. Foram várias as acusações de pedofilia contra ele. Por falta de provas nunca nenhum tribunal o condenou criminalmente, mas é de se imaginar o quanto que isso pesou em sua carreira, em suas emoções, em suas relações profissionais e familiares (e, claro, em seu bolso: só na primeira vez que foi acusado o acordo com a família da vítima teria custado 15 milhões de dólares).

A pedofilia, no mundo todo, tem muita história. Mas talvez nenhum outro seguimento religioso, nesse item, seja mais intensamente lembrado que o formado por dezenas de padres e papas da Igreja Católica, destacando-se mais recentemente os casos escabrosos dos Estados Unidos e da Irlanda, onde foram pagas indenizações monstruosas.

Qual é o ponto de convergência nessas histórias? A violação de uma regra ética elementar (vigente há séculos na nossa cultura): não se pode fazer sexo com menores, não se pode abusar dos menores.

É uma anomalia grave, um desvio de personalidade profundo, alguém não ser educado ou não ter controle da sua libido diante de um menor. Essa é uma regra histórica, que está introjetada na consciência, coletiva.

Pode-se discutir a idade desse menor, que necessita de uma proteção penal peremptória (doze anos, treze anos, catorze anos, quinze anos…). Mas não há como discutir a regra central: sexo com menor está proibido (é uma anomalia, é uma tara exótica, censurável e abominável).

A Suíça está para decidir se aceita ou não o pedido de extradição, feito pelos Estados Unidos, do cineasta Polanski (que está preso). O país requerente já deixou claro que ele vai cumprir dois anos de cadeia (tudo foi levado em conta: sua vida posterior aos fatos, a censura do fato, a sua gravidade, o transcurso do tempo etc.). Observação importante: pelas regras da Califórnia não houve prescrição.

Do ponto de vista psicológico Polanski retrata bem o velho paradoxo humano: genialidade e bestialidade. O fato de ter sido preso na Suíça, precisamente quando recebia mais um prêmio pela sua fantástica carreira, bem explicita o paradoxo: um gênio do cinema, de 76 anos de idade, um Oscar de melhor diretor, estava sendo preso por um ato de pedofilia.

Um homem que sofreu tanto na vida (perdeu a mãe nos campos de concentração nazista, foi salvo por milagre por um fazendeiro nessa época, sua esposa foi assassinada quando estava grávida etc.).

A dor de todos esses sofrimentos não foi suficientemente poderosa para impedir os desaforos da sua libido. Genialidade e bestialidade: nisso se resume o paradoxo da existência humana.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). www.blogdolfg.com.br

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