Cabe à mulher a última palavra

Acirra-se a polêmica nos tribunais sobre a correta aplicação da Lei Maria da Penha. Enquanto o Ministério Público (MP) briga para, mesmo nos casos de lesão leve contra a mulher, deter o poder incondicional de processar os agressores varões, algumas Cortes, a exemplo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vêm dando decisões que colocam freios à atuação do órgão acusador, condicionando-a à prévia autorização da mulher agredida.

Lesões leves são as que deixam algum vestígio, mas não acarretam perigo de vida nem impossibilitam o ofendido de realizar suas ocupações habituais por mais de 30 dias, não acarretam perda permanente de membro ou função corporal. No caso de ocorrerem lesões dessa natureza, a Lei nº 9.099/95 já estabelecia que a ação penal só pode ser iniciada se houver concordância da vítima; e como a Lei Maria da Penha silencia a respeito, passou a prevalecer o entendimento de que mesmo no caso de violência contra a mulher continuaria valendo a mesma regra geral.

Discordando desse entendimento, porém, o procurador geral da República intentou recentemente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin nº 4.424) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), na qual, invocando a Constituição Federal (CF), pede que a Suprema Corte dê à Lei Maria da Penha interpretação segundo a qual a vontade da mulher é dispensável para abrir processo contra o agressor.

A CF não desce a esse tipo de minúcia. O que busca o procurador geral com essa Adin é uma interpretação subliminar de alguns princípios abstratos e genéricos previstos na CF, como o da dignidade da pessoa humana, para daí concluir que seria inconstitucional deixar à mercê delas a decisão de mandar ou não seus agressores para o banco dos réus.

Se a Lei Maria da Penha não estabeleceu de forma clara e taxativa que a atuação do MP nos casos de lesão leve à mulher devesse ser diferente das lesões leves em geral, não cabe ao STF dar maior alcance ao poder estatal, onde o legislador houve por bem não fazê-lo.

Ainda que se pudesse extrair do texto constitucional alguns princípios dos quais se infere a intenção de dar a mais ampla e irrestrita proteção às mulheres, tais postulados não permitem, em seara de rigorosa legalidade como a penal, interpretações subliminares da Carta Magna, visando a suprir lacunas deixadas pelo legislador ordinário.

Assim, enquanto uma lei promulgada pelo Congresso Nacional não dispuser de modo contrário, continua vigorando para as lesões leves, inclusive as cometidas contra mulheres, a mesma regra geral prevista há 16 anos na Lei nº 9.099/95 (que instituiu os juizados especiais): processo contra o agressor, só com a concordância da pessoa agredida.

Promover uma ação penal nos casos de lesões leves, à revelia da mulher, seria mais uma forma de violentar a vontade dela. A discussão não é se esses agressores devem ser punidos ou não – não há dúvida de que devem -, mas sim se a atuação punitiva do Estado nestes casos mais leves não deve respeitar a vontade da mulher. Afinal, mais importante do que proteger a mulher contra pequenas lesões é proteger seu direito ao livre arbítrio, à livre escolha.

Quando quiser mandar o pai de seus filhos para a cadeia, sua palavra deve ser levada em conta, mas enquanto preferi-lo em casa, porque é mal menor do que não ter um pai para educar os filhos, sua vontade deve ser respeitada.

Fábio Tofic Simantob é advogado criminalista e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), é sócio do Tofic e Fingermann Advogados, de São Paulo.

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