Juiz decreta mais três prisões no caso Dorothy

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Chegada de David Stang no aeroporto
de Altamira, no Pará.

Altamira – O juiz Lucas do Carmo, titular da Vara de Justiça de Pacajá (PA), decretou ordem de prisão de mais três pessoas acusadas de envolvimento no assassinato da freira Dorothy Stang. Os três são de Anapu, sendo que dois trabalham na fazenda de Vitalmiro Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do crime. O terceiro trabalha na fazenda de Amair da Cunha, o Tato. O pedido de prisão foi encaminhado ao juiz pela Polícia Federal. Equipes das Polícias Civil e Federal estão em busca dos três para prendê-los. A polícia tem pressa em encontrá-los porque os inquéritos (da Polícia Civil e o da Polícia Federal) vão ser concluídos amanhã. Desembarcou ontem, em Altamira, o norte-americano David Stang, irmão de Dorothy. Em Anapu, David conhecerá os locais de trabalho e os amigos de sua irmã e também visitará o local onde ocorreu o sepultamento.

As investigações do assassinato da missionária Dorothy Stang, apesar de bastante adiantadas, acabaram expondo uma disputa entre policiais federais e civis. A operação conjunta revelou espírito corporativo, momentos de vaidade, concentração de poder, disputa pela autoria das revelações nas investigações e por espaço na mídia. Correm paralelamente dois inquéritos: um na PF, outro na Polícia Civil. Os acusados prestam depoimentos nos dois. Mas nem sempre o que dizem em um confirmam em outro. A principal divergência está em quem encomendou o crime. Na semana passada, o delegado da PF Ualame Fialho admitiu que o assassinato pode ter tido diversos mandantes. Já o delegado da Polícia Civil Waldir Leite descartou essa possibilidade.

Quando agentes da Polícia Federal e policiais civis seguiram para Anapu em busca da arma calibre 38 que alvejou a freira, foi um desencontro só. Os federais foram para um lado e os civis para outro no meio da mata. Eles mal conversam, apesar de duas reuniões diárias em Altamira envolvendo os dois delegados e o Exército.

Combate à violência

Depois do assassinato da freira Dorothy Stang, o governo federal começou a correr contra o tempo para diluir os focos de conflito no campo. Mas parte deste esforço poderia ser dispensado se o programa de combate à violência no campo tivesse sido implementado. A proposta de criação do programa foi divulgada em abril de 2003, mas não saiu do papel e sequer foi lançada oficialmente. Este ano o governo reduziu em 8,34% as verbas destinadas ao Paz no Campo, com iniciativas destinadas à redução de conflitos agrários. O governo reservou R$ 4,182 milhões para medidas do Paz no Campo. Esse valor é R$ 380 mil menor que os R$ 4,563 milhões de 2004. Os dados constam de um levantamento feito no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) por técnicos da liderança do PFL na Câmara. Quatro meses depois de tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixou um decreto criando a Comissão de Combate à Violência no Campo, presidida pelo secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e coordenada pelo ouvidor agrário, Gercino José da Silva Filho. A comissão deveria se reunir a cada 15 dias e elaborar a política de prevenção de conflitos. O calendário não foi cumprido e o Plano Nacional de Combate à Violência no Campo sequer foi concluído. O ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) negou que o plano de combate à violência esteja na gaveta. ?O plano está sendo construído?, disse Rossetto. Mas Gercino reconhece que as ações para conter a violência no campo dependem de parcerias com os estados e com outros poderes.

Estrutura insuficiente

Brasília – Previsto para ser anunciado em 2004, o Plano Nacional de Combate à Violência no Campo deverá ser apresentado em março. O ouvidor agrário afirmou que, apesar das dificuldades, várias ações do plano já foram postas em prática, como a criação de varas agrárias, ouvidorias e promotorias. Mas ele reconhece que o número dessas unidades ainda é insuficiente. Gercino disse que, mesmo com todos os problemas, o Pará, estado com os piores índices de violência no campo, já conta com vários desses órgãos. O Plano Nacional de Combate à Violência no Campo prevê 31 ações, que vão desde a criação das varas, ouvidorias e promotorias a ações, como desarmamento em áreas de conflitos e criação de polícias judiciárias. O ouvidor encontra problemas até dentro do próprio governo para executar o plano. Uma das ações prevê a fiscalização da atuação das empresas de segurança particulares em imóveis rurais. Essa fiscalização deveria ser da Polícia Federal. Mas Gercino afirmou que a PF apenas informa se essas empresas estão legais ou não no mercado. O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, reclama da falta de verbas para o setor, mas acha que o problema vai além. ?A reforma agrária tem que ser descentralizada. Enquanto governadores e prefeitos não se sentirem responsáveis pela reforma agrária, vamos viver essa agonia lenta?, disse.

Violência no campo atinge dois milhões de brasileiros

São Paulo – Um mapa atualizado da violência no campo revela que ano passado quase dois milhões de brasileiros (385.899 famílias de áreas rurais) estiveram envolvidos diretamente em 1.543 conflitos no campo, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os números mostram uma nova geografia da violência rural no País, que avança para o cerrado, e revelam que, assim como o caldeirão de Anapu, no Pará, que resultou no assassinato da missionária Dorothy Stang há 16 dias, há diversas outras áreas sob ameaça de conflito.

Com base também em dados do Incra e do Ministério do Trabalho, o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, do Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades (Lemto) da Universidade Federal Fluminense, disse que os conflitos estão mais concentrados em Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Em 2003, foram 1.690 conflitos. No governo anterior, os números eram menores: 925 em 2002, 880 em 2001 e 660 em 2000. Os confrontos teriam aumentado por causa da expectativa da reforma agrária – em especial nas áreas com mais terras públicas -, da ocupação por grandes produtores e da expulsão de camponeses, indígenas e sem terra. Em Minas Gerais, o Vale do Jequitinhonha está sob tensão desde novembro de 2004, quando cinco sem terra foram mortos e 13 ficaram feridos em um acampamento do MST. Os sem terra acusam fazendeiros de pistolagem. No Norte do Mato Grosso, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), além da disputa entre sem terra, pequenos posseiros e grileiros, o povo myky, quase exterminado durante os anos 70, assim como os xavantes, está ameaçados de morte e exposto a saques constantes em suas áreas de floresta. ?Em 2004, foram sete assassinatos e temos 25 ameaçados pela pistolagem. São 3,4 milhões de hectares grilados, trabalho escravo e muita expulsão de indígenas e sem terra. São mais de 30 mil acampados e muitos pistoleiros?, disse Adair José Alves Moreira, advogado da CPT em Mato Grosso, estado campeão em conflitos.

Trabalho escravo vem após desmatamento

A escravização também é maior em áreas que estão sendo desmatadas para o plantio, como em Tocantins, campeão em flagrantes de trabalho escravo em 2004.

?O trabalho escravo é maior nos focos de tensão, como Tocantins e Sul do Pará. Estão derrubando matas para fazer carvão, usando trabalho escravo para depois semear capim para o gado ou plantar soja. Os gatos fazem a intermediação, recrutam escravos e depois controlam: espancam, matam e enterram em cemitérios clandestinos?, disse Marcelo Campos, coordenador da área no Ministério do Trabalho. Segundo o geógrafo, no novo mapa da violência rural, aparecem, em pleno Centro-Oeste, dezenas de Anapus. Quando os números de áreas sob conflito são analisados por municípios, aparecem barris de pólvora no cerrado, na Amazônia Legal e em Pernambuco. No Pará, as Anapus também se expandem pela nova linha de desmatamento da Amazônia, em torno da BR-163. No mapa do desmatamento e da violência, aparece uma novidade no chamado ?arco do desmatamento? da floresta. Os assassinatos pela pistolagem ali também se deslocam de Sul e Sudeste para o Oeste, na região de Anapu a Santarém, em dois blocos importantes de desmatamento, na chamada Terra do Meio.

?No mapa aparecem nitidamente o arco e uma flecha, em torno da BR-163, até Santarém. São arco e flecha apontando, como que por ironia, para o resto do País?, disse o geógrafo. Os índices também são altos no rastro da expansão da soja e de outras monoculturas, como na Mata Norte de Pernambuco. O levantamento tem como base dados parciais da CPT, fechados em dezembro de 2004. A CPT lança em abril seu levantamento, com análises atualizadas. Os dados foram cruzados com base na população agrária de cada estado e transformados em índices. O vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Carlos Sperotto, discorda da análise. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, tem dito que os alertas da CPT devem ser analisados.

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