Goianésia do Pará, cidade sem lei

Goianésia, PA (AE) – Na cidade destruída, onde só ficaram as casinhas de madeira dos 29 mil moradores depois que uma multidão em fúria depredou e pôs fogo em 9 prédios públicos e 18 carros oficiais, relatos de estupro viraram conversas triviais. De tanto ouvir falar no assunto, crianças de Goianésia do Pará incorporaram o termo e o pânico ao seu cotidiano. "Vou te estuprar!", grita um menino de 5 anos para uma menina da mesma idade, e corre atrás dela. É uma brincadeira, como outrora a do bicho-papão ou do lobo mau. Ou então: "Lá vem o estuprador!"

Depois do furacão de domingo passado, a pequena cidade, que já tinha pouco, ficou sem ônibus escolar e sem ambulância. "Acabou, praticamente acabou", lamenta a dona de casa Raimunda Barros Clemente, de 26 anos, duas filhas de 8 e 10 anos, que não perde mais de vista. Na cidade poeirenta do sudeste do Pará, com ruas de barro vermelho, sem esgoto nem água encanada, só restaram escombros e ferros retorcidos da Prefeitura, da delegacia, do quartel, das Secretarias de Obras, Educação e Saúde e até de um órgão de assistência a pessoas com deficiência mental. Ficaram todos loucos? Não, chegaram ao limite.

Desde o começo do ano, segundo moradores, houve 15 estupros de mulheres, meninas e meninos, além de assassinatos. Quatro casos foram o estopim porque aconteceram um bem perto do outro. Um deles ocorreu no dia 10. Deudinéia Silva e Silva, de 24 anos, secretária da Escola Feliz, uma creche da Prefeitura, foi violentada num matagal. Antes, levou um tiro na vagina. Ela se arrastou até a casa de dois cômodos, ajeitadinha, onde morava, descreveu o criminoso e pediu, antes de morrer: "Procurem por ele. Está todo arranhado e mordido".

Casos terríveis são narrados com simplicidade por adultos e crianças. Na mesma semana, outra mulher foi seviciada. O homem a deixou sangrando com uma estaca na vagina e a boca cheia de pedras. Sobreviveu, mas não suportou a vergonha. As histórias são aumentadas, mas não inventadas. Em algumas versões, por exemplo, Maria quebrou os dois braços. E o bandido violentou as três.

Não foram só estupros que provocaram revolta. Em 8 de agosto, Antoniel Silva Santana, de 20 anos, chamado de Caubói porque gostava de se vestir como tal, foi morto por um policial militar às 9h, na praça, na frente de todo mundo. Estava com o pai e o irmão mais velho. Tinham ido negociar a compra de uma fazenda. Houve um desentendimento, a polícia foi chamada. "Sem perguntar nada, mandaram a gente deitar no chão. Um deles empurrou meu pai. Meu irmão, que estava algemado, quis defendê-lo", diz Raimundo, de 26 anos. Caubói levou um tiro de fuzil na barriga, em apenas um dos crimes na cidade sem lei.

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