Contra pit bull, ONG propõe até psicotécnico para donos

Microchips implantados embaixo da pele, castração dos animais e até testes psicotécnicos aplicados a criadores fazem parte de um arsenal de propostas para evitar ataques de cães da raça pit bull no Brasil. Apenas em agosto e setembro, ocorreram ao menos oito ataques nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, com oito vítimas feridas e três mortos. Alguns países simplesmente optaram por banir as raças consideradas agressivas, entre elas o pit bull. Outros estudam projetos para controlar a criação desses animais.

No Brasil, muitos acreditam que o problema com os cães da raça pit bull começa no dono. A organização não governamental Arca Brasil, voltada para a proteção dos animais, considera necessário exigir um teste psicotécnico para selecionar os futuros proprietários dos cães da raça. O exame mostraria se o dono é capaz de desestimular a agressividade natural do cachorro. "A raça tem a agressividade como um dos fatores predominantes, mas bons criadores podem contornar essa característica com a educação adequada e a seleção de exemplares menos agressivos para a procriação", afirma o presidente da ONG, Marco Ciampi.

Ele conta que as pessoas que procuram um pit bull já estão predispostas a procurar por um animal agressivo. Segundo Ciampi, o teste busca esclarecer qual o intuito da pessoa interessada em ter um animal. "O teste também funcionaria como as instruções de direção defensiva aplicada em auto-escolas". A idéia faz parte de uma campanha da Arca Brasil para instituir a "Posse Responsável", que busca educar futuros donos de cães para planejarem a escolha do animal, levando em consideração as características das raças e os cuidados especiais que elas demandam.

Entre os "Dez Mandamentos da Posse Responsável de Cães e Gatos" estão também o cadastramento do animal no Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) dos municípios e o adestramento. Ciampi defende que essa ou outras medidas sejam instituídas o mais rápido possível. "O problema do pit bull é uma crônica anunciada", avisa. "Do jeito que está, o problema caminha para o banimento da espécie. A população cada vez mais pede por isso."

Microchip

Em Belo Horizonte, desde o dia 11 de setembro a prefeitura desenvolve um projeto que envolve a aplicação de microchips em cães da raça pit bull. Até quinta-feira passada, 700 pit bulls já tinham sob a pele um microchip do tamanho de um grão de arroz que permite a identificação do cachorro – nome, características físicas, vacinação – e do proprietário – nome, endereço, telefone, documento de identidade e CPF. O Centro de Controle de Zoonoses da capital mineira informa que há 3.407 cães da raça cadastrados.

A implante foi determinado por meio de uma portaria do governo estadual e de uma lei municipal que obrigam o cadastramento dos pit bulls em Minas Gerais. Deixar de cadastrar o animal pode resultar em multa de até R$ 5.124,00 ao proprietário. O projeto é similar ao de Portugal e Dinamarca – no país escandinavo o sistema é aplicado a todos os cães mas a raça pit bull foi proibida.

Com o cadastramento, explica a gerente do CCZ da capital mineira Maria do Carmo Araújo Ramos, o objetivo é responsabilizar os proprietários civil e criminalmente por danos materiais ou ferimentos causados pelo animal, transferindo a eles a incumbência de encontrar meios de controlar a agressividade dos cães. "A identificação é fundamental para o proprietário assumir a responsabilidade por seu cão.

O presidente da ONG União Protetora dos Animais (UPA), também deputado estadual de São Paulo, Feliciano Filho (PV), é outro que defende o cadastro, com foto do cão e dados de suas características físicas, além de coleira identificadora e tatuagem no abdômen. A lei brasileira já prevê a responsabilização dos proprietários pelos danos causados pelos cachorros, mas, segundo ele, sem o cadastro fica difícil comprovar quem é o dono do cão, que muitas vezes abandona o animal.

De acordo com Feliciano, a fiscalização ficaria por conta de órgãos do governo, de associações e da população. "Qualquer pessoa teria o direito de abordar o dono de um pit bull na rua e pedir para verificar se o cachorro é cadastrado, conferir a coleira e a tatuagem no abdômen", diz. Ele também defende que os pit bulls só possam ser vendidos esterilizados. Isso evitaria a procriação desordenada dos cães longe de criadouros oficiais.

"Todo dono acha que seu cachorro é bonzinho. O dono naturalmente facilita a saída do cão de casa. Por isso, devemos chamar a pessoa para a responsabilidade", afirma o criador Edson Vieira, que trabalha com cães há 30 anos e é dono de um canil em São Paulo. A identificação dos cães é a principal reivindicação de proprietários de canis que trabalham com pit bulls e rottweilers outra raça canina alvo dos projetos.

‘Sol com a peneira’

Já o deputado estadual Aloísio Vieira (PDT-SP) é mais radical: quer simplesmente banir a raça do Estado. O projeto de lei 1110/2007, de sua autoria, proíbe a importação, o comércio e a criação de pit bulls e as raças que resultam dos cruzamentos da espécie. "O pit bull é um animal imprevisível. A única saída é banir essa raça. Não adianta mais tapar o sol com a peneira", diz. Para os exemplares já existentes, o projeto prevê a esterilização dos animais.

Além disso, o projeto estabelece que os cães dessa raça ficam proibidos de freqüentar lugares com concentração de pessoas. Os pit bulls só poderão sair de casa acompanhados de maiores de 18 anos, com focinheira e guia com enforcador, no período entre 22 e 5 horas. O projeto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembléia Legislativa de São Paulo para aprovação e deve passar ainda pelas comissões de Agricultura e de Saúde antes de ser levado a plenário. A proibição da raça pit bull e de outras de cães consideradas perigosas já foi adotada na Inglaterra, Noruega e Dinamarca.

"Tem que acabar com essa raça porque eles atacam mesmo. É só dar as costas que eles mordem", diz a auxiliar de limpeza Regina Onorato, que já foi atacada e revela ter pavor de pit bull. Ela levou uma mordida na parte posterior da perna direita de uma das duas cadelas pit bull do vizinho da frente da sua casa, em Itaquera, na zona leste da capital paulista. "Ficou a marca de uns cinco dentes", conta.

A dentista Daniela Fernandes Gama é outra que também quer distância de pit bulls. Ela conta que o irmão ganhou um filhote da raça, a cadela Rajada, que, com oito meses, começou a mostrar alterações de temperamento, a ponto de quase matar outros dois cachorros da residência, um pastor-belga e um vira-lata. Uma vez Rajada chegou a atacar o pai da dentista, que tentou apartar a briga dos cães.

"Desde então, notamos que a pit bull começou a se mostrar agressiva com o meu pai. Ficamos com medo de que ela pudesse ferir alguém da família", conta. Ela tentou levar a cadela para o Centro de Controle de Zoonoses de São José dos Campos, em São Paulo, mas eles recusaram o animal. "Ninguém queria aceitar", informa. Rajada acabou sendo levada por um amigo de um amigo de Daniela e nunca mais foi vista.

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