Bolívia pretende elevar em até 60% o preço do gás

La Paz – As autoridades bolivianas já têm algumas certezas sobre o gás que exportam para o Brasil: o preço subirá, o aumento deve ficar entre 30% e 60% em comparação com o de hoje e os brasileiros é que vão decidir quem vai pagar a conta, que não é nenhuma pechincha. Se o gás for reajustado em 30%, patamar considerado mínimo para qualquer início de conversa em La Paz, o Brasil irá assinar um cheque suplementar de US$ 360 milhões por ano. "Não tenha dúvidas nem se engane: a decisão de reajustar os preços está tomada por nosso governo", disse o engenheiro Nelson Cabrera Maráz, vice-presidente de operações da YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia), a estatal que cuida do assunto. "Os valores estão em discussão mas os patamares começam a ser definidos."

Atualmente, o Brasil paga US$ 3,13 por mil pés cúbicos que recebe da Bolívia. A idéia é aproximar esse número dos US$ 5. Cabrera admite, para efeito de raciocínio, que as autoridades bolivianas até poderiam pensar num reajuste para US$ 6, igual a 100% – mas um salto desse tamanho parece apenas retórica de negociação. Comparado com o que disse há dois dias o ministro dos Hidrocarbonetos, Andrés Soliz, os patamares apresentados colocam o debate num plano mais realista. Soliz mencionou cálculos que poderiam levar a um reajuste que colocariam os preços em níveis de US$ 8 por mil metros cúbicos. Quando conversa sobre esses patamares, Nelson Cabrera deixa claro que se trata de uma análise técnica e não da proposta de negociação que será debatida com as autoridades brasileiras, que desembarcam em La Paz para uma rodada de negociações na semana que vem.

Conversas – Um dia depois do encontro dos quatro presidentes em Puerto Iguazú, as autoridades bolivianas ao petróleo avaliam que o presidente Evo Morales ganhou pontos nos primeiros lances da guerra do gás. A nacionalização lhe deu apoio interno. Ele não recebeu críticas dos governos vizinhos e voltou para casa com encaminhamentos práticos convenientes: a partir da semana que vem La Paz recebe delegações brasileiras e argentinas para discutir o reajuste do gás. "Era isso o que queríamos discutir, negociar, ouvir o outro ponto de vista e chegar a um acordo", afirma Nelson Cabrera.

Questionado se essa disposição para o diálogo não poderia ter dispensado a ocupação militar das refinarias ou um decreto unilateral envolvendo empresas que fazem grandes investimentos no país, Cabrera responde: "Essas foram decisões de um Estado soberano, tomadas por um governo eleito. O preço vamos discutir agora."

A conversa com os negociadores argentinos está marcada para segunda-feira. Conduzida pelo próprio Cabrera, será um encontro especialmente duro em função de um aspecto técnico: quando sua economia começou a derreter, o governo argentino convenceu as autoridades do governo de Carlos Mesa a aceitar um acordo que fixava o preço do gás por um preço solidário – categoria que provoca comentários mordazes em La Paz em função do abismo que marca os dois países, em qualquer conjuntura específica. Em função disso, os argentinos levam o gás boliviano com um desconto de 10%, diferença que pode desaparecer. "Bolívia vive um novo momento e seus parceiros precisam estar preparados para isso", afirma Cabrera. "Não somos mais um país onde as transnacionais do petróleo fazem o que querem."

A verdade é que o decreto da nacionalização colocou a YPFB numa posição mais confortável para negociar – e defender o que o governo boliviano considera um preço justo. Até agora, o gás que era extraído da Bolívia pertencia à subsidiária boliviana da Petrobras, que o revendia a estatal boliviana, que o entregava a Petrobras brasileira. Com o decreto, a YPFB torna-se dona do gás que é apenas extraído pela Petrobras Bolívia. Isso permite que os bolivianos participem do jogo com mais força. "O que todos precisam compreender é que a Bolívia passará a jogar um papel determinante sobre sua principal riqueza", diz o vice-presidente O calendário dos contratos em vigor pode auxiliar na conversa. Em junho termina uma temporada de 5 anos, prazo previsto pelas partes para avaliar os preços.

Mesmo em alta pressão, as autoridades bolivianas sabem que o jogo tem limites. Da mesma forma que o Brasil precisa do gás para crescer – e meses atrás entregou um pedido para dobrar as importações nas próximas décadas – a Bolívia sabe que não tem um mercado tão próximo e tão grande para entregar sua mercadoria. "Não haverá ruptura nem desabastecimento", afirma Luis Carlos Kinn, que vem aconselhando o governo de La Paz a formar sua estratégia. Para Nelson Cabrera, os dois países têm contrato até 2019 e ninguém vai quebrá-lo. "A multa não compensa para nenhuma das partes", afirma.

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